A Ética Aristotélica
A filosofia primeira (ou metafísica), a matemática, a física, da qual fazem parte também a biologia e a psicologia, esgotam, segundo Aristóteles, todo o campo do saber teorético, isto é, do saber que tem por objeto o ser necessário (a substância), tudo o que não pode ser diferente do que é.
Estas três ciências são também as únicas verdadeiras e autênticas ciências, visto que só se pode ter ciência, segundo Aristóteles, daquilo que é necessário. Mas, além do necessário, há também o possível, o que equivale a dizer tudo o que poderia ser diferente daquilo que é.
O possível e o domínio da atividade humana, a qual, sendo livre, poderia desenvolver-se, em cada instante, de modo diverso daquele por que efetivamente se desenvolve. Por conseguinte, as disciplinas que consideram a atividade humana não são ciências, no sentido teorético do termo, porquanto, tal como a ciência, elas são ou podem ser dirigidas e sustentadas pela razão.
Ora a atividade humana pode ser, ou ação, ou produção: a ação é aquela que tem o seu fim em si mesma, a produção é a que tem o seu fim no objeto produzido. As disciplinas que dizem respeito à ação são a ética e a política; as disciplinas concernentes à produção chamam-se artes, e entre estas Aristóteles considera especialmente a poesia.
A ética de Aristóteles procura determinar os fins e as condições da atividade humana. Cada atividade é dirigida para um fim que aparece bom e desejável: o fim e o bem coincidem. Alguns fins são desejados tendo em vista outros fins: por exemplo, a riqueza e a boa saúde são desejáveis pelos prazeres que possam trazer.
Mas deve existir um fim que seja desejado por si próprio, e não já como meio para atingir fins ulteriores: este fim será o sumo bem.
Para o homem, segundo Aristóteles, o sumo bem é a felicidade: importa é ver em que consiste a felicidade. Ora, cada um é feliz quando faz bem o seu trabalho: o tocador, quando toca bem; o construtor, quando constrói objetos perfeitos. O homem será, portanto, feliz quando desempenhar bem o seu dever propriamente humano.
Em que consiste este dever?
Evidentemente, no exercício da razão, a qual distingue o homem de todos os outros animais. Mas o exercício da razão é a virtude; logo, a felicidade consiste na virtude. À virtude está, pois, necessariamente associado o prazer, que acompanha o desenvolvimento normal de toda atividade.
Das três partes da alma humana, somente duas são suscetíveis de exercitarem a razão: a parte intelectiva, que é a própria razão, e a parte emotiva, que, embora sendo privada de razão, pode ser dominada diretamente por ela. A alma vegetativa, pelo contrário, não pode participar da razão.
Existem então duas virtudes fundamentais: a virtude intelectiva ou dianoética, que é a atividade própria da alma intelectiva; a virtude moral, ou ética, que o domínio da alma intelectiva sobre os apetites sensíveis.
A virtude moral ou ética consiste na capacidade de escolher o justo meio entre dois extremos viciosos, em que um peca por excesso e o outro por defeito. A coragem, que é o justo meio entre a vileza e a temeridade, incide sobre tudo aquilo que se deve ou não deve temer. A parcimónia, que é o justo meio entre a intemperança e a insensibilidade, diz respeito ao uso moderado dos prazeres.
A liberalidade, que é o justo meio entre a avareza e a prodigalidade, diz respeito ao uso ajuizado das riquezas. A magnanimidade, que é o justo meio entre a vaidade e a humildade, diz respeito à justa opinião de si próprio. A mansidão, que é o justo meio entre a irascibilidade e a indolência, diz respeito à ira.
A virtude ética fundamental é a justiça, que pode ser em primeiro lugar compreendida como o completo conformismo às leis. Mas a justiça pode também ser compreendida como uma virtude particular, e então é distributiva ou comutativa. A justiça distributiva é a que preside à distribuição das honrarias, do dinheiro e de todos os outros bens, que é necessário dar a cada um segundo os seus méritos.
A justiça distributiva tende a realizar uma proporção exata: as recompensas distribuídas a duas pessoas devem ser proporcionais aos seus respetivos méritos. A justiça comutativa preside, pelo contrário, aos contratos, os quais podem ser voluntários (compra, venda, aluguer, etc.) ou involuntários (fraude, furto, traficância, etc., ou então violência, como espancamento, assassínio, etc.). A justiça comutiva ou corretiva tende a nivelar as vantagens e as desvantagens entre os dois contraentes: institui uma pura e simples igualdade.
É sobre a justiça que se funda o direito, que pode ser privado ou público. Este último diz respeito à vida associativa e distingue-se em direito legítimo (ou positivo), que é o sancionado pelas leis, e direito natural, que é idêntico para todos os homens. A equidade é uma correção da lei mediante o direito natural e serve para evitar a justiça que por vezes derivaria da aplicação mecânica da lei.
A virtude intelectiva ou dianoética é aquela que consiste no exercício dos poderes intelectivos. Compreende a ciência, a arte, a sageza ou prudência, a inteligência e a sapiência. A ciência é a capacidade demonstrativa (apodítica) que tem por objeto o necessário e o eterno. A arte é a capacidade produtiva de objetos; a prudência é a capacidade de agir convenientemente em confronto com os humanos. A inteligência é a capacidade de colher os primeiros princípios de todas as ciências, princípios que, enquanto primeiros, não caem no âmbito das próprias ciências.
A sapiência ou sabedoria é a virtude dianoética mais elevada, que compreende ao mesmo tempo a ciência e a inteligência, isto é, a faculdade de demonstrar e a de intuir os princípios da demonstração. Ela ocupa-se das coisas mais elevadas e divinas, diferindo da prudência ou cordura, que, pelo contrário, têm em consideração os assuntos humanos.
Conexa à virtude está a amizade, de que Aristóteles se ocupa difusamente na Ética a Nicómaco e que compreende a totalidade das relações de solidariedade e de afeto entre os homens. A verdadeira amizade não se funda, nem na utilidade, nem no prazer recíproco, mas sim no bem e na virtude, e como tal é estável e fixa.
A mais alta encarnação da vida moral e da vida humana em geral é, segundo Aristóteles, o sábio. E efetivamente a forma de vida mais elevada é para o homem a vida teorética, isto é, a vida dedicada à pesquisa científica. O sábio basta-se a si próprio, porque a sua finalidade está em si próprio, na atividade da sua razão.
É por isso que a vida do sábio é feita de serenidade e de paz: ele não se preocupa com fins que não está no seu poder alcançar. E assim Aristóteles faz sua e defende na ética a posição que já haviam tomado Sócrates e Platão. A vida mais elevada para o homem é a que é dedicada à investigação: só nela o homem atinge o seu fim supremo, a sua felicidade.
A Política e a Educação
A política, ou seja, a ciência da vida social do homem, está estreitamente ligada com a ética. De facto, o homem é essencialmente «um animal político», isto é, um animal que vive em sociedade com os seus semelhantes; e fora desta sociedade não pode alcançar a virtude. Mas, exatamente por isso, o Estado, que regula a vida social, não tem só o dever de providenciar pelo bem-estar material dos cidadãos, mas também, e sobretudo, deve providenciar pela sua educação moral, levando-os à virtude.
Distinguindo-se de Platão, Aristóteles não se deteve a delinear o modelo de um Estado ideal, que não tinha nenhum fundamento na realidade histórica.
É necessário ter em mente um governo não só perfeito, mas também realizável e que possa facilmente adaptar-se a todos os povos.
Aristóteles
Por isso, examina as formas de governo historicamente existentes, para determinar qual seja a melhor delas. Distingue três tipos fundamentais de governo: a monarquia, ou o governo de um só, a aristocracia, ou o governo dos melhores, a democracia, ou o governo da multidão.
Esta última forma chama-se politeia, ou seja, governo por antonomásia, quando a multidão governa com vantagem de todos. A estes três tipos correspondem outras tantas degenerações: a tirania, que é uma monarquia que tem por finalidade a vantagem do monarca; a oligarquia, que tem por finalidade a vantagem dos ricos; a democracia, que tem por fim a vantagem dos que nada possuem. O melhor governo é aquele em que prevalece a classe média, isto é, o formado pelos cidadãos de modesta fortuna.
Este governo evita os excessos que se verificam quando o Poder está na mão daqueles que não possuem nada ou possuem em demasia.
Ao delinear a melhor constituição de governo, Aristóteles parte do princípio de que todo o governo é bom desde que se adapte à natureza do homem e às condições históricas, por isso ele não afirma a superioridade de nenhuma das formas de governo, mas estabelece as condições pelas quais qualquer tipo de governo pode alcançar a sua forma melhor.
A primeira destas condições é de natureza moral: o Estado deve ter em conta que a vida mais elevada do homem não é a prática, mas a teorética, isto é, a vida que realiza as virtudes mais elevadas, que são exatamente as virtudes dianoéticas. As outras condições dizem respeito ao número dos cidadãos, que não deve ser, nem demasiadamente elevado, nem demasiadamente exíguo, e a situação geográfica, isto é, o território do Estado.
Importante é, pois, ter em consideração a índole dos cidadãos, que deve ser corajosa e inteligente, como a dos Gregos, os quais, segundo Aristóteles, são os mais aptos a viver livremente e dominar os outros povos. f: necessário que todas as funções sejam distribuídas e que sejam formadas as três classes que já Platão queria no seu Estado ideal; Aristóteles recusa, porém, a comunidade da propriedade e das mulheres.
A função essencial do Estado é a educação dos cidadãos, que deve ser igual para todos e dirigida não só a preparar para a guerra, mas também para a vida pacífica e, sobretudo, para a virtude. Todavia, devem ser excluídos da educação e da vida política os escravos. Existem, segundo Aristóteles, homens que são «escravos por natureza», isto é, que o são pela sua natural incapacidade de desenvolver uma atividade verdadeiramente humana e livre, ou seja, uma atividade teorética: estes homens nasceram para obedecer, não para comandar, e é justo que eles sejam propriedade dos outros homens.
Como só deveria ser cidadão aquele que dispusesse de tempo livre (isto é, ócio) «para a formação da virtude e para a atividade política», o ideal educativo aristotélico é nitidamente «libera!», e não só recusa todas as artes mecânicas como indignas do homem livre e suscetíveis de gerarem um sentir grosseiro e vulgar, como até as próprias ciências teoréticas ele as quer estudadas sem finalidade profissional: o estudo deve ser desinteressado, e nem a arte (além da música, Aristóteles dá importância ao desenho) deve ser praticada mais do que o necessário para apurar o gosto.
Na Política e na Ética a Nicómaco (um escrito Sobre a Educação não chegou até nós), Aristóteles chega a fornecer toda uma série de conselhos higiénicos e pedagógicos especiais para as várias idades do desenvolvimento, geralmente inspirados em muito bom senso e que nalguns aspetos parecem preludiar a educação do gentil-homem, que será tratada admiravelmente nos tempos modernos por Locke; tal é o caso, por exemplo, da insistência na necessidade de os bons hábitos serem adquiridos precocemente.
Mas a enorme influência exercida por Aristóteles na educação posterior deve ser procurada não tanto nos seus conselhos específicos quanto no total da sua doutrina, e muito especialmente na sua psicologia e na sua ética: o seu naturalismo, que confere importância a todo o processo de desenvolvimento como tal, importa uma didática gradual e ligada ao sentido e à imaginação, bem como uma educação moral baseada nos hábitos e no domínio de si próprio adquirido pelo exercício.
Por outro lado, o seu finalismo e a afirmada superioridade do teorético sobre o prático induzem a acentuar a educação intelectual em prejuízo de qualquer outra, assim como a desenvolvê-la deixando ao educando uma escassa autonomia, já que este não pode encontrar por si próprio novos caminhos de conhecimento. O conhecimento é aquele que é, como contemplação das formas pré-constituídas da natureza, suscetível de aperfeiçoamento, mas não de mudanças radicais, nos pontos em que está já conseguido.
O consegui-lo de facto é mais obra do universal intelecto ativo que do homem historicamente determinado. Por isso é que Aristóteles representará alternativamente, segundo as circunstâncias históricas, ou apelo de libertação das peias sobrenaturalísticas, incapazes de deixarem espaço suficiente ao desenvolvimento do homem natural, ou então um apelo a favor de formas educativas autoritárias e intelectuais, destinadas a fazer respeitar, tanto no conhecimento como na religião e na política, as formas constituídas e afirmadas. Mas esta sua própria ambivalência é um sinal da importância histórica sem igual da sua contribuição para o desenvolvimento da civilização.
Este artigo faz parte de um conjunto de artigos sobre a vida e obra de Aristóteles:
- Vida e Obra de Aristóteles (artigo principal)
- A Metafísica e a Teologia segundo Aristóteles
- A Física, a Biologia e a Psicologia
- A Ética Aristotélica, a Política e a Educação (este artigo)