O Sistema Educativo

A formação profissional e o sistema educativo

O sistema educativo e o sistema de formação profissional estabelecem com a sociedade e organizações uma relação bidirecional recebendo, por um lado, as suas necessidades e assegurando a sua satisfação e por outro, fazendo chegar-lhes os resultados das suas reflexões e prática pedagógica, estabelecendo assim uma relação dialética entre escola e a sociedade/organização. Através desta relação os sistemas educativos vão sofrer as influências do meio envolvente, económico e sociocultural, mas ao mesmo tempo são também um fator de transformação desse mesmo meio.

Formação profissional e Sistema Educativo em Portugal

Em Portugal a formação profissional inserida no sistema educativo tem sofrido alterações ao longo do tempo de acordo com a realidade política, económica e social de cada período. Antes da revolução de Abril de 74, a formação profissional no sistema educativo era fundamentalmente implementada através dos cursos comerciais e industriais ao nível do atual 3º ciclo do ensino básico. Estes alunos terminavam os cursos com qualificações específicas que lhes permitiam a colocação imediata no mercado de trabalho que os aceitava porque tinham uma formação de base muito próxima da realidade empresarial.

Com as sucessivas reestruturações do sistema educativo, estes cursos desapareceram e só muito mais tarde surgem outras variantes com o mesmo objetivo, ou seja, proporcionar uma formação profissional qualificante inserida no sistema educativo ou que permita a sua equiparação. Com os centros de formação profissional de gestão directa e protocolares e escolas profissionais emergem e implementam-se muitos cursos que tentam proporcionar uma formação qualificante inicial.

Nas escolas denominadas de ensino formal também se desenvolvem cursos que permitem uma aproximação mais prática à formação profissional.

O sistema educativo insere a formação profissional.

Topo | Índice

Atualmente as práticas que conferem uma dupla certificação escolar e profissional são diversas. Indicamos as mais representativas:

  • Cursos do sistema aprendizagem em que os estudantes para além de obterem um certificado de aptidão profissional numa determinada profissão, também obtêm uma equivalência formal a um determinado grau inserido no sistema educativo (por ex.: o 9º ano e o 12º ano). Estes cursos são complementados por um estágio em contexto real de trabalho. Geralmente, são implementados pelos centros de formação profissional e pelas escolas profissionais e denominam-se, quanto à tipologia, de projeto de formação em alternância.
  • Cursos de educação e formação profissional inicial em que os estudantes que já possuam o 9º ano de escolaridade ou equivalente, sem qualquer qualificação profissional, podem ter um ano de formação profissional que lhes garante a obtenção de um certificado de qualificação profissional de nível II. Estes cursos decorrem nas escolas cuja a proposta de desenvolvimento e organização dos cursos é da iniciativa das escolas.
  • Cursos que proporcionam formação inicial com dupla certificação, fora do regime de alternância. Destinam-se a jovens que abandonaram precocemente o sistema educativo sem terem completado o 1º e 2º ciclo. Esta modalidade confere-lhes uma qualificação profissional de nível I e II e uma equivalência aos 1º e 2º ciclos do ensino básico.

Topo | Índice

Contextos de formação profissional e ensino

A maior parte dos estudos que fundamentam a distinção entre pedagogia e andragogia (pedagogia para adultos) partem, sobretudo, de dois pressupostos: o primeiro, resulta da dicotomia entre ensino e formação, entre métodos directivos (centrados no professor e no poder de transmissão de saber) e activos (centrados no formando e na dialéctica formando/formador), entre metodologias tradicionais e novas metodologias; o segundo, resulta da crença na existência de especificidades próprias nas crianças e jovens, diferentes das especificidades dos adultos.

No que toca à realidade portuguesa constata-se, com demasiada frequência, que o quadro referencial para muitos formadores (e formandos) é ainda o ensino tradicional ministrado nas escolas, caraterizado por uma postura do professor como detentor do saber, a desempenhar o poderoso papel de transmissor de conhecimentos e por uma postura passiva do aluno, encarado como mero recetáculo dos saberes transmitidos. Digamos que ainda se verifica, com bastante frequência, a reprodução daqueles modelos tradicionais (de algum modo já ultrapassados no próprio ensino escolar) nos cursos de formação profissional.

A oposição entre ensino e formação alerta para a necessidade de:

  • se ultrapassar a reprodução dos modelos tradicionais de ensino escolar;
  • dar novos contornos às situações de formação em contexto organizacional.

Existe uma grande distância entre uma sessão de formação e uma aula, diferença essa que se prende com factores vários, dos quais destacamos os de ordem:

  • Espacial – as salas de formação, onde a própria disposição das mesas deve ser diferente: em «U» em vez das tradicionais fileiras sucessivas, ou de anfiteatro;
  • Temporal – as ações de formação decorrem num período bem mais curto do que o período escolar e em simultâneo, com maior densidade e concentração de conteúdo no primeiro caso em relação ao segundo
  • Pessoal e profissional – adultos em processo de socialização organizacional e profissional, portadores de uma história de vida e de experiências acumuladas, que são agentes sociais e que, por outro lado, estabelecem relações interpessoais informais, durante os cursos de formação, com os outros participantes, que acabam por ter repercussão na vida intra e inter-organizacional, em oposição a crianças, jovens ou adultos em processo de socialização de cariz mais amplo;
  • Organizacional – o referente de formação reporta-se às realidades empresariais, organizacionais ou institucionais, em oposição a um referente no ambiente escolar que se posiciona na própria escola ou na sociedade.

Topo | Índice

Segundo Gerard Malglaive, a formação profissional deverá dar resposta a necessidades organizacionais e, por consequência, estar orientada para finalidades (os problemas que a organização resolverá, ou contribuirá para resolver). Espera-se desta forma que, no seio das empresas e das organizações, a formação profissional direta ou indiretamente e quantitativa ou qualitativamente, conduza a novas práticas profissionais e culturais.

A oposição anteriormente referida, entre ensino e formação, manifesta-se igualmente ao nível dos objetivos:

no ambiente escolar – situam-se essencialmente, na valência da aquisição de conhecimentos globalizantes e diversificados «centrada nos conteúdos» sem necessidade de aplicação e de integração imediata em «campos» sociais e organizacionais;

no ambiente da formação profissional – situam-se a três níveis:

  • na aquisição, ou desenvolvimento, de competências técnicas (saberfazer) associados à função, à equipa de trabalho e ao comportamento pessoal e profissional;
  • na aquisição, ou desenvolvimento, de conteúdos ao nível dos sabersaber «centrada nos problemas e nas suas actividades» razão pela qual têm que sentir e perceber a utilidade desses saberes para a sua vivência;
  • na aquisição, ou desenvolvimento, de aptidões sociais, competências e atitudes, (saber-ser/saber-estar) relacionadas com as capacidades relacionais, com o ambiente no trabalho e com o nível de responsabilidade do cargo ou categoria, que facilitem a adaptação, o ajustamento ou a integração na cultura da organização.

Essa diferença manifesta-se, em última instãncia, na terminologia utilizada por professores e alunos no primeiro, e formadores ou monitores e formandos ou participantes no segundo. Por outro lado, em situação de formação, deve falar-se em curso, ação ou sessão de formação em vez de aula; em formadores e formandos em vez de professores e alunos.

Os adultos em situação de formação profissional rejeitam a ideia de serem equiparados a meros alunos, que ao nível do imaginário os remete para os bancos da escola e para a necessidade de estudar, querendo, de outro modo, ver reconhecida a sua autoimagem enquanto agentes sociais nas organizações, tal como pretendem ver reconhecida e «trabalhada» a sua própria experiência e o seu valor enquanto profissionais e atores organizacionais.

Ensino e Aprendizagem

Uma das grandes questões que se colocam a nível pedagógico, em formação profissional, situa-se na relação entre as duas principais vertentes em jogo no processo formativo: a vertente ensino e a vertente aprendizagem.

Do ponto de vista estritamente pedagógico, o formador deve ter consciência que, em qualquer situação de formação, estão em jogo duas atividades inseparáveis: as de aprendizagem e as de ensino.

Regra geral, os formadores são selecionados ou convidados para assegurar uma ação de formação em função das suas competências técnico-profissionais, ou da sua experiência na matéria, o que lhes confere, à partida, uma superioridade técnico-profissional em relação aos formandos. Essa mesma superioridade, só terá valor pedagógico se, do ponto de vista da aprendizagem, o formador conseguir conceber uma arquitetura do processo formativo de ensino que organize e conduza a atividade de aprendizagem aos objetivos gerais e operativos definidos para a Ação. Daí que todo o esforço pedagógico do formador, deva ser orientado para a satisfação adequada das expectativas existentes, tentando ajustar os vários interesses em jogo.

O formador é uma figura central em todo este processo, o que significa que nestas circunstâncias deve:

  • adaptar a acção de formação ao contexto;
  • subordinar toda a sua prática pedagógica aos objectivos da organização, da formação e da aprendizagem;
  • encarar a sua função como um conjunto organizado de actos pedagógicos.

Ainda que o saber-saber, a experiência e a prática sejam indispensáveis ao exercício da função formador, este deve centrar-se sobre:

  • o perfil dos formandos – o que os formandos já sabem e praticam;
  • as necessidades de aprendizagem – o que precisam de ficar a saber ou fazer – valor acrescentado da formação;
  • as estratégias pedagógicas – qual a melhor forma de os levar a fazer essas aquisições (organização e estruturação de conteúdos, o plano de sessão, os métodos, as técnicas e os meios pedagógicos a que deve recorrer, a relação que deve estabelecer, etc).

Topo | Índice

EDUCAÇÃO (modelo tradicional)FORMAÇÃO (modelo ideal)
FINALIDADE PRINCIPALSocializaçãoPreparar / Melhorar a produção
ATORESProfessores / AlunosAnimadores / Formandos
ESPAÇO TÍPICOSal de AulaSala de Formação
MÉTODOS E TÉCNICAS+ Passivos / – Ativos– Passivos / + Ativos
MEIOSQuadros, LivrosSistemas multimédia
MENSAGEMSaber (para saber), Saber Ser (atitude perante a vida)Saber (para fazer), Saber Fazer, Saber Ser (atitude perante o trabalho)
INICIATIVAEstado / FamíliaFormando / Empresa
AVALIAÇÃOSobre o alunoSobre o «Sistema»
CERTIFICAÇÃOdo cursodas competências

Ideias base a reter:

  • Os sistemas educativos e de formação estabelecem com a sociedade e as organizações uma relação bidirecional recebendo, por um lado, as suas necessidades e assegurando a sua satisfação e, por outro, fazendo chegar-lhes os resultados das suas reflexões e prática pedagógica, estabelecendo assim uma relação dialética entre Escola e Organização:
  • Atualmente as práticas que conferem uma dupla certificação escolar e profissional são diversas;
  • O contexto formação profissional e o contexto ensino são diferenciados nas caraterísticas, nos objetivos e nas finalidades;
  • Na formação profissional os objetivos situam-se a três níveis: saber-saber, saber-fazer e saber-estar.
  • O formador é uma figura central no processo pedagógico, devendo centrar-se sobre o perfil dos formandos, as necessidades de aprendizagem e as estratégias pedagógicas.

Topo | Índice

A seguir: Enquadramento legal da atividade de formador »

« Anterior: Relação entre formação profissional e o mercado de emprego

ÍNDICE DO MANUAL DE FORMAÇÃO