O artigo Vida e Obra de Aristóteles, que integra a História da Pedagogia, tinha inicialmente uma dimensão demasiado grande. Decidimos então dividi-lo em partes mais pequenas:
- Vida e Obra de Aristóteles (artigo principal)
- A Metafísica e a Teologia segundo Aristóteles (este artigo)
- A Física, a Biologia e a Psicologia
- A Ética Aristotélica, a Política e a Educação
A Metafísica
O estudo do ser enquanto é ser, isto é, a filosofia primeira, não é, portanto, o estudo do ótimo e do perfeito, como para Platão, mas o estudo de qualquer coisa enquanto é, isto é, da substância de qualquer coisa. A substância de uma coisa é exatamente o que ela é necessariamente, e que não poderia deixar de ser sem cessar também de ser aquela coisa.
O juízo «Sócrates é homem» não pode ser negado sem que Sócrates deixasse de ser Sócrates, já que ele não pode ser ao mesmo tempo Sócrates e não-homem. Mas a substância de Sócrates não consiste somente em ele ser homem, mas em ser este homem, determinado por uma quantidade de outros elementos.
A substância propriamente compreendida, ou substância primeira, identifica-se com um dado ser real; a espécie homem, no exemplo produzido, é substância segunda, e o mesmo se diria, mas num sentido mais atenuado, também do género mamífero: pelo contrário, «das substâncias primeiras, nenhuma é mais substância que a outra».
Deus é certamente o ser supremo; mas ele é substância precisamente no mesmo sentido de todos os outros seres. Os seres, antes de terem qualquer outro valor que os distinga e os subordine entre si, têm um mesmo e comum valor fundamental: exatamente o da substância.
Ora a substância é o objeto próprio da ciência. Tudo o que a ciência procura nas coisas é precisamente a substância que permite responder à pergunta: que é? Por isso todas as ciências, enquanto são dirigidas à investigação e à definição da substância, têm o mesmo valor e a mesma dignidade.
De facto, o objeto a que elas se dirigem não é para algumas delas mais alto e para outras mais baixo: é sempre o mesmo, isto é, a substância.
Aristóteles justificou depois o valor da investigação científica no sentido mais amplo da palavra, evitando fazer cair fora dela as indagações que se dirigem para o mundo natural. Mas com isso ele também justificou a sua atitude de pesquisador incansável, curioso por todos os aspetos da realidade e disposto a examinar as mais insignificantes manifestações do ser. A metafísica aristotélica eliminou definitivamente o preconceito, que ainda domina no platonismo, contra a investigação empírica da natureza.
Com a substância devem ser relacionados todos e os mais diversos significados da palavra ser. Segundo Aristóteles, seja qual for o sentido legítimo que se adote para esta palavra, encontramo-nos perante um aspeto ou em face de uma manifestação da substância. As coisas compostas têm uma forma que dá ao conjunto dos elementos que as compõem uma natureza própria, diversa da dos elementos singulares componentes; são estes mesmos elementos, pois, que constituem a matéria da coisa composta. Por exemplo, numa esfera de bronze, a esfericidade é a forma, o bronze é a matéria; e o artista que constrói a esfera de bronze não cria, na realidade, nem o bronze, nem a esfericidade, ambos os quais preexistem à sua obra e, segundo Aristóteles, não nascem e não morrem: são eternos. Pelo contrário, nasce e morre a esfera de bronze, isto é, esta esfera determinada, que o artista construiu e pode igualmente destruir.
Esta esfera determinada é então um composto (ou sinolo) de matéria e forma e está sujeita ao devir, ou seja, ao nascer e ao morrer. O sinolo é a substância primeira, e a forma (esfericidade), substância segunda.
De maneira menos própria, chama-se por vezes, substância também à matéria (bronze), para a qual Aristóteles usa o termo de substrato.
Correspondentemente à distinção entre forma e matéria, Aristóteles estabelece a existente entre ato e potência. Esta distinção é introduzida por Aristóteles com o fim de tornar inteligível o movimento que, segundo os Eleatas, era irracional e, portanto, irreal. O devir seria irracional, segundo Aristóteles, se, como sustentavam os Eleatas, ele consistisse na passagem do não-ser para o ser e vice-versa: tal passagem é de facto impossível, porque do nada não pode sair nada e porque o ser nunca pode cair no nada. Mas, segundo Aristóteles, o devir é, pelo contrário, a passagem de tudo o que é em potência a tudo o que é em ato.
O ser em potência não é o nada, mas é exatamente a potência, isto é, a possibilidade de produzir o ser em ato. Por exemplo, a semente é a planta em potência, a criança é o homem em potência, etc. Somente o ato constitui a realidade plena e inteira do ser, pois a potência não passa da simples capacidade de produzir tal ser.
Aristóteles, por isso, diz que o ato precede a potência: a criança só pode nascer do homem já adulto, que, por esse mesmo motivo, a precede; a semente só pode nascer da planta, etc.
À pergunta que por vezes lhe era posta por brincadeira, a saber, qual tinha nascido primeiro, se a galinha, se o ovo, Aristóteles responderia que tinha nascido primeiro a galinha. A passagem gradual da potência ao ato, chamou-lhe Aristóteles movimento em geral ou devir. O termo conclusivo desta passagem (por exemplo a planta na sua forma perfeita) foi chamado por Aristóteles ato final (ou enteléquia).
Forma e matéria, ato e potência, fornecem a razão do devir e constituem, segundo Aristóteles, as duas primeiras causas dele. Podem, assim, distinguir-se outras duas causas no devir: a causa eficiente, que é tudo o que dá início ao devir, e a causa final, que é o fim do mesmo devir.
No caso, por exemplo, da esfera de bronze produzida por um artífice, o mesmo artífice é a causa eficiente da produção; e o fim que o artífice se propõe alcançar com ela é a causa final. A esfericidade e o bronze são, pois, evidentemente, a forma e a matéria. Nas produções que, como esta, são devidas ao homem, a causa eficiente pode distinguir-se da matéria, e a causa final, da forma, já que o bronze não pode assumir por si a forma esférica, mas para o fazer exige o trabalho do artífice (causa eficiente) e o fim que ele tem em mente. Nas produções e nas modificações naturais, pelo contrário, a causa eficiente e o fim identificam-se com a forma: a planta é, ao mesmo tempo, a forma, a causa eficiente e o fim da transformação da semente.
Todos os movimentos que acontecem na natureza (entendendo-se pela palavra movimento toda a transformação, até a mudança de lugar, e produção) vão de uma matéria a uma forma. Muitas vezes o que é forma (isto é, ponto de chegada) para um movimento torna-se matéria (isto é, ponto de partida) de um movimento ulterior.
Por isso, uma mesma coisa pode ser considerada matéria, sob o ponto de vista do movimento que a partir dela se inicia, e forma, sob o ponto de vista do movimento que para ela se encaminha. Esta cadeia supõe dois termos extremos, segundo Aristóteles. Por um lado, supõe uma forma pura, que é o ponto de chegada definitivo do devir do universo e que, por isso, não tem nada para além de si. Esta forma pura será evidentemente ato puro, já que ela não tem mais nada a realizar e que tudo nela já foi realizado.
Por outro lado, supõe uma matéria pura ou, como diz Aristóteles, matéria primeira, que seja pura potência, absolutamente privada de determinações. Esta matéria primeira não se deve confundir com o que nós normalmente chamamos matéria, por exemplo, com o fogo, a água, o bronze, etc., que não são matéria pura, porque têm já em si, em ato, uma determinação qualquer, pela qual nós as distinguimos umas das outras e damos a cada uma delas um nome determinado.
A matéria primeira é, pelo contrário, absolutamente indeterminada: como tal, não se pode conhecer e não se pode nem sequer indicar por um nome; é antes um conceito limite, que se admite como princípio hipotético de todo o devir. Quanto à forma pura ou ato puro, ela constitui a substância mais elevada do universo, a substância imóvel, objeto da teologia.
A Teologia segundo Aristóteles
Aristóteles distingue todas as substâncias existentes em duas grandes classes: as substâncias imóveis, que não são percetíveis pelos sentidos, mas apenas conhecidas pela inteligência; e as substâncias em movimento, que são sensíveis. As substâncias em movimento constituem o mundo físico, e, por isso, são objeto da ciência física (que será tratada no parágrafo seguinte). As substâncias imóveis ou inteligíveis são as divinas.
A existência de uma substância imóvel é demonstrada pela necessidade de explicar a continuidade e a eternidade do movimento do céu. O movimento eterno, contínuo, uniforme, do primeiro céu (o mais afastado da terra), do qual dependem os movimentos igualmente eternos, uniformes e contínuos dos outros céus, deve ter uma causa: ele supõe por consequência, qualquer coisa que o mova, um motor. Mas este motor não pode, por sua vez, ser movido, pois de outro modo o seu movimento deveria ter a sua causa num outro motor; e se este ainda se movesse, seria necessário ainda um outro motor, e assim por diante até ao infinito.
O motor do primeiro céu deve ser, portanto, um primeiro motor imóvel. Como tal, deve ser ato sem potência, ato puro; e, porque a potência é matéria, ele é também forma sem matéria, isto é, incorpóreo.
Mas como é que se pode mover um motor que é por si próprio imóvel?
Segundo Aristóteles, ele move-se, não como causa eficiente, isto é, comunicando um impulso, mas como causa final, isto é, comunicando o desejo ou o amor da sua própria perfeição. De facto, o primeiro motor, ato puro, é a perfeição absoluta, porque é a realidade consumada, a que não falta nada; ele determina o movimento do primeiro céu no modo em que o objeto amado, mesmo permanecendo imóvel, determina o movimento do amante para si.
A esta substância imóvel, que é também o bem mais alto e a perfeição máxima, deve pertencer, evidentemente, o género de vida por excelência. Ora a vida melhor é a da inteligência, à qual o homem se eleva apenas por breves períodos; a vida da inteligência é, portanto, a adequada à substância imóvel, que dela goza contínua e eternamente.
A inteligência divina não pode, todavia, ter um objeto diferente de si, que seria também um objeto inferior a ela (sendo ela a perfeição máxima).
Não pode, portanto, ter por objeto senão ela própria. O pensamento de Deus é o pensamento do pensamento; como tal, é a vida mais perfeita entre todas e também a mais feliz.
Deus é, por conseguinte, para Aristóteles, o motor do primeiro céu.
Mas Aristóteles sustenta que o raciocínio que demonstra a existência de Deus pode ser repetido a propósito de todos os outros céus. Os movimentos dos outros céus são, de facto, igualmente contínuos e eternos do movimento do primeiro céu; também eles supõem, assim, outros tantos movimentos imóveis, de tal modo que as substâncias imóveis serão tantas quantas são as esferas celestes. Aristóteles admite assim 47 ou 55 inteligências motoras, correspondentes às 47 ou 55 esferas celestes do sistema geocêntrico que nessa altura se estava afirmando. A oscilação do número é devida à disparidade dos pareceres dos dois grandes astrónomos contemporâneos de Aristóteles, Eudóxio e Calipso, cujas doutrinas foram ligeiramente modificadas por Aristóteles.
Aristóteles via nesta doutrina sobre as substâncias imóveis e inteligentes uma confirmação da crença tradicional de que os corpos celestes são deuses e de que o divino invade toda a natureza.
Este artigo faz parte de um conjunto de artigos sobre a vida e obra de Aristóteles:
- Vida e Obra de Aristóteles (artigo principal)
- A Metafísica e a Teologia segundo Aristóteles (este artigo)
- A Física, a Biologia e a Psicologia
- A Ética Aristotélica, a Política e a Educação