Este artigo pretende auxiliar o formador a prevenir, identificar e resolver ou gerir os conflitos na relação pedagógica, que sempre surgem no contexto da formação.
Neste artigo:
- Significado de conflito na relação pedagógica
- Quais as origens do conflito
- Como prevenir o conflito
- Índice do Manual de Formação
Significado de conflitos na relação pedagógica
Segundo a teoria dos Campos de Força de Kurt Lewin, na génese de um grupo dinâmico estão presentes forças de natureza diferente e que se opõem.
Existem no grupo forças de progressão resultantes dos fatores que promovem a formação e continuidade do grupo. Como exemplo destes fatores, podem-se salientar as motivações dos participantes para se tornarem elementos representativos do grupo, a pressão social para que o grupo se forme (na empresa, no departamento, a nível da sociedade em geral, no seio da família, etc.), os interesses e valores dos participantes, entre outros.
Como energias contrárias a estas, existem também as forças de regressão, resultantes dos fatores inibidores da progressão do grupo. A insegurança psicológica, os receios de competição ou desvantagem, o ter de agir em conformidade com as normas, a aplicação de sanções são exemplos desses fatores. O impacto destas forças em oposição provoca uma tensão latente no seio do grupo, tornando-se este, à partida, num organismo potencialmente gerador de conflitos na relação pedagógica.
Resolver a tensão no seio do grupo
Para que o grupo se desenvolva e progrida há que resolver a tensão interna causada pelas forças contraditórias. Só assim, se poderá atingir o estado de coesão imprescindível para que o grupo atinja os seus objetivos ou finalidades.
Então, parece legítimo concluir que o conflito na relação pedagógica, ou as forças contraditórias que o alimentam, é um elemento promotor de mudança, de avanços e evolução nos grupos.
Entende-se que a resolução positiva da tensão intra-grupo dará origem a uma nova dinâmica de funcionamento. Como organismo vivo, dinâmico e único que é, o grupo nasce, cresce e morre, passando por diversas etapas ao longo da sua existência. Tal como acontece com os indivíduos isoladamente, também nos grupos o desenvolvimento ocorre por “saltos”, fases de crise, mais ou menos intensas, que proporcionam mudança.
Culturalmente é-nos transmitida a noção de que o conflito é algo penoso, mesmo assustador, que é preciso evitar em nome da tranquilidade e da harmonia.
Contudo, são o desequilíbrio, os obstáculos, a conjunção de forças contrárias que impedem a estagnação.
Todo o desenvolvimento do homem, bem como das suas relações com os outros homens, estão impregnados de conflitos que desencadeiam a mudança e a evolução.
O formador age como promotor de mudança a nível das pessoas – de conhecimentos, de profissão ou especialidade, de atitudes, etc. – e dos organismos de que fazem parte – reestruturações, modernizações, etc.
A situação de formação possui um grande potencial de conflito
A mudança não é encarada pelos indivíduos de forma pacífica. Mesmo reconhecendo a sua necessidade, as forças de regressão fazem-se sentir. Existe uma inércia, uma resistência à mudança, pois esta obriga a um esforço de resolução e adaptação às novas situações que, por sua vez, transportam sempre em si o desconhecido.
Na situação de formação existe uma negociação constante, mais ou menos explícita, entre os diversos elementos – formador, participantes, instituição organizadora – que propõem objetivos e modelos por vezes diferentes, que aspiram a finalidades contraditórias, etc.
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Quais as origens do conflito
Existem várias fontes potenciais que podem originar conflitos na relação pedagógica.
Vamos analisar algumas delas, as internas ao grupo:
Heterogeneidade de idades, experiência ou escolaridade
As diferenças individuais acentuadas implicam maneiras divergentes de compreender as realidades, motivações e interesses muito diversificados e progressões a ritmos variados no processo de aprendizagem. Constituem, assim, circunstâncias potencialmente desencadeadoras de atritos, comunicações distorcidas, desmotivação ou expressão de agressividade.
Luta pela liderança
Alguns dos participantes mais dominantes no grupo, ao disputar os papéis de liderança podem originar rivalidades e estimular oposições e competição.
Relação de competição ou de sedução
A natureza do relacionamento entre alguns participantes é susceptível de comprometer a coesão e o clima positivo do grupo.
Quando há sobreposição de papéis na estrutura do grupo fica difícil gerir as forças internas. É o caso da participação de irmãos num mesmo grupo. É frequente transporem para a situação de ensino-aprendizagem a rivalidade ou espírito competitivo da sua relação no grupo familiar. Nestes casos, o irmão mais competitivo pode remeter o outro para uma posição desconfortável, em que o peso da estrutura familiar surge como um “olho” avaliador do seu desempenho na formação.
Também as relações de sedução inter-sexos podem conduzir o grupo à fragmentação ou funcionarem como um ruído de fundo prejudicial à comunicação pedagógica.
Caraterísticas internas de cada Indivíduo
Antes da nova identidade do grupo estar consolidada, o “historial” de cada um emerge com maior ou menor intensidade, conduzindo a fenómenos de transferência que determinam o tipo de interrelações entre os membros do grupo.
A experiência anterior de frustrações e sucessos, vivida em contextos similares, é transposta para a nova situação. Assim, o comportamento dos indivíduos no momento presente pode estar a ser determinado por experiências desagradáveis que nada têm a ver com a situação de formação em si.
A transferência de modos de relacionamento positivos ou negativos pré-existentes (tipo de relação que se tem ou se teve com as figuras parentais, com os chefes, amigos, etc.) para o formador ou outro membro do grupo que tenha desencadeado essa associação, pode condicionar o clima sócio-emocional na sala de formação.
Este mecanismo é, a maioria das vezes, algo automático, inconsciente, e por isso mesmo difícil de controlar.
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Relacionamento com a instituição organizadora
As condições físicas e materiais, o espaço e equipamentos destinados à formação quando não são adequados ou satisfatórios, quer em quantidade, quer em qualidade, são foco de descontentamento e reacções de hostilidade por parte do grupo ou alguns dos seus elementos.
Infelizmente, acontece com alguma frequência os objetivos delineados para determinada população não serem os mais efetivos para responder a todas as necessidades reais dessa mesma população, ou, por outro lado, o tempo decorrente entre a elaboração de um Programa de formação e seus objetivos, e a sua implementação prática, tornar esse programa de algum modo ultrapassado.
A informação, as expetativas criadas nos futuros Formandos, a forma como o processo de recrutamento foi conduzido, a resolução da situação profissional após o curso, enfim, todo o nível institucional materializa-se na pessoa do Formador. Ao estar acessível ao grupo, é quem “dá a cara”, quem é responsabilizado, num primeiro momento, por fatores que, a maior parte das vezes, lhe são alheios.
Relação formador-grupo e caraterísticas pessoais do formador
O Formador aos olhos do grupo aparece como: a figura paternal, autoritária; alguém com grande poder económico; o representante da instituição organizadora; e um professor associado à velha escola. É a “vítima” preferencial dos fenómenos de transferência.
As caraterísticas de personalidade do formador, o seu estilo de relacionamento interpessoal, são marcantes para o tipo de ambiente pedagógico que se gera na situação de ensino-aprendizagem. A preparação psico-pedagógica, aliada à estrutura da personalidade do formador, é condicionante para o despertar ou não de conflitos no seio do grupo.
A preparação técnico-profissional do formador é outra variável importante a este nível. Estes três fatores – estrutura de personalidade, e preparação prévia, quer técnica, quer pedagógica – são fundamentais na avaliação que o grupo fez da pessoa do Formador, enquanto gestor legítimo da comunicação em sala. A atitude do formador é essencial na resolução dos conflitos na relação pedagógica.
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Como prevenir o conflito
Logo de início, existem alguns procedimentos gerais que previnem a ocorrência de futuros atritos ou más relações no grupo.
São eles:
- Garantir a disposição da sala em U
Anula o “look” de sala de aula tradicional. É um indicador implícito de que se trata de contextos diferentes, bloqueando um pouco as possíveis associações negativas de fenómenos de transferência decorrentes da experiência vivida no modelo escolar (testes, avaliações, mau relacionamento com professores, desmotivação). É uma configuração facilitadora de comunicação, colocando os elementos do grupo de frente uns para os outros. É um convite à interação com os outros, favorecendo a consolidação da identidade do grupo. - Promover a apresentação dos diferentes elementos
Dizer alguma coisa sobre si próprio ajuda a quebrar o gelo inicial, é um modo lógico de se começar a comunicar… Reduz a insegurança psicológica caraterística do 1º momento, de desconhecimento mútuo. Como complemento da apresentação formal – em que os diferentes elementos dizem o nome e, sucintamente, qual a sua área de atividade e qual o seu interesse em participar na Ação de formação – os Jogos de Apresentação recomendam-se para imprimir o estilo de relação e de atividades caraterísticas de formação desde o princípio. - Discutir e esclarecer desde logo as regras de funcionamento do grupo
Estabelecer horários a cumprir, concertar a duração dos intervalos, prazos, questões como o fumar em sala, etc.
No decorrer da formação, cabe ao formador resolver as dificuldades que surjam, quer no domínio da tarefa, como no domínio sócio-afectivo.
- Evitar as exposições teóricas prolongadas Um adulto consegue prestar atenção a 100% durante um período de tempo muito limitado.
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Cuidados a ter nas atividades pedagógicas
As atividades propostas durante a formação podem, da mesma forma, ser fonte de conflitos na relação pedagógica. É necessário intercalar as várias atividades, de modo a quebrar a monotonia. Conferindo ritmo e dinamismo à formação, garante-se, em parte, que os mecanismos de atenção e concentração dos participantes não estão saturados.
Por outro lado, os debates, discussões, jogos pedagógicos obrigam a certas precauções, pois também contém os seus perigos:
- monopolização das redes de comunicação por alguns elementos, remetendo os restantes para o papel de recetores passivos;
- emergência de necessidades competitivas ou de rivalidades, impedindo o grupo de prosseguir nas suas funções e atividades;
- crescer no grupo o sentimento de que se está a perder tempo. Daí que os jogos e debates tenham de se enquadrar no contexto pedagógico da sessão. No final, o Formador deve elaborar uma síntese conclusiva e integradora da comunicação que se gerar, relacionando-a com os objetivos pedagógicos da sessão;
- os elementos não faladores, tímidos e introvertidos podem viver com ansiedade ou insegurança este tipo de atividades;
- silêncios prolongados, que “boicotam” os propósitos e a dinâmica das atividades de grupo propostas;
- o perigo dos silêncios é maior quando o grupo é ainda recente. Assim, o formador tem de “sentir” o grupo e tentar perceber qual vai ser a adesão àquele tema ou àquele jogo. Atividades que impliquem uma exposição face ao grupo podem ser sentidas pelos diferentes elementos como intrusivas.
A mudança a efetuar na formação acontece a nível dos conhecimentos técnicos e também a nível do saber-estar. Na sala de formação são ensaiadas novas formas de estar em relação, formas alternativas de trabalho em conjunto, de comunicar em grupo.A experiência e o saber de cada um não podem ser ignorados em populações de indivíduos adultos, ou jovens adultos. É vital a existência de espaço para a expressão individual.
Mesmo as questões e perguntas referentes à “matéria” possuem sempre uma dimensão emocional e social. Quando quero esclarecer uma dúvida estou também a satisfazer necessidades sociais, de reconhecimento do meu estatuto no grupo e de afirmação da minha individualidade.
O formador preocupado em respeitar o conteúdo programático por vezes não se apercebe da importância do domínio socio-afectivo e da necessidade de se enquadrar a sua expressão na situação de ensino-aprendizagem. Simplesmente, não se pode esquecer de que os seus objetivos não são obrigatoriamente os mesmos que os dos participantes.
Trabalhar o domínio da relação é facilitar a transmissão dos conceitos teóricos e técnicos. O formador funciona como um “sensor”: tem que estar permanentemente atento para detetar as tensões e apreciar a sua incidência na progressão do grupo. Isso implica estar particularmente sensível ao Feedback dado pela expressão oral e o comportamento não verbal de cada um.
Ao detectar tensões interpessoais, o formador, enquanto gestor de comunicação, deverá favorecer a expressão dos conflitos latentes. Só pela expressão explícita das tensões negativas é possível trabalhá-las. Se não forem faladas, continuarío a crescer, ganhando força por oposição às forças de progressão.
Ao possibilitar a expressão e debate de conflitos, é preciso propor ao grupo a resolução dos mesmos, por duas razões fundamentais:
- quem está descontente já pensou ou desejou a melhor alternativa para que a sua situação se modifique…;
- ao se solicitar soluções, está-se a responsabilizar o grupo, enquanto parte ativa do processo de formação.
Naturalmente o grupo é conduzido pelo Formador e por si próprio, a comunicar num registo racional, mais objetivo. Caminha-se, assim, do domínio da emocionalidade carregada, para reformulações neutras e objetivas dos problemas. Será, então, possível encontrar em conjunto soluções suficientemente boas e funcionais.
As questões colocadas de forma agressiva devem ser refeitas assertivamente, a fim de serem apropriadas pelo grupo e se poder avançar. As reformulações ajudam a compreensão racional das circunstãncias e fatores implicados em mal-entendidos ou rivalidades, pois obrigam os indivíduos a distanciarem-se da emoção e a olhar para si próprios, analisando os comportamentos de forma objetiva.
Em todo este processo, o formador tem de obedecer a duas regras de ouro:
- nunca se deixar envolver emocionalmente nos conflitos;
- ser capaz de lidar com eventuais agressividades ou hostilidades sem reagir impulsivamente.
Só a prática e a experiência acumuladas permitem obedecer com facilidade a estes dois pressupostos. No entanto, a vivência destas situações, mesmo que não se tomem os procedimentos mais corretos, é sempre positiva uma vez que permite elaborar uma auto-crítica construtiva e evoluir enquanto profissional.
Face à pressão do grupo, existem algumas respostas típicas dos Formadores que iremos enumerar e que serão mais nefastas ou mais úteis à resolução de conflitos na relação pedagógica e à gestão da comunicação.
Atitudes positivas
- Adaptar o conteúdo/programa, os exercícios e as atividades às caraterísticas específicas de cada grupo.
- Trabalhar a relação, mostrando-se disponível e eficaz mas não abdicar de fazer o apelo indispensável à teoria.
- Assegurar-se que a sua comunicação foi efetiva e compreendida pelos recetores, utilizando questões como: «Ficaram clarificados? Gostariam que reformulasse alguma questão?».
- Obter feedback mas não efetuar perguntas dirigidas, “à Professor”.
- Provocar mudanças de ritmo ao longo da sessão, diversificando estratégias, recursos e meios pedagógicos.
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