Este artigo descreve a educação do cidadão Grego na Grécia antiga. A divisão político-administrativa desta civilização em Cidades-Estado (Poleis) é preponderante na definição da educação do cidadão. A educação espartana destaca-se pela diferença, enquanto a educação ateniense é bem mais representativa da Grécia deste período.
Índice deste artigo
- As Poleis ou Cidades Estado
- Hesíodo e Píndaro
- A Educação Espartana
- A Educação Ateniense
- Resumo dos artigos de “A História da Pedagogia”
As Poleis ou Cidades-Estado
Já vimos como, no próprio mundo homérico, o poder crescente da nobreza tinha progressivamente limitado o poder da monarquia. É um facto historicamente comprovado que, segundo um desenvolvimento diferente de lugar para lugar, bem depressa o governo dos numerosos pequenos estados gregos foi entregue a colégios de magistrados, a que só acediam aristocratas. A dignidade régia sobrevive por vezes, mas reduzida apenas a um nome ou transformada e posta sob fiscalização aristocrática.
Em Atenas, um dos arcontes, com um cargo mais religioso do que político, chama-se arconte rei (mesmo na Roma republicana sobreviverão vestígios da instituição monárquica suprimida, num cargo de carácter religioso, o de rex sacrificulus). Em Esparta, onde o poder político está solidamente nas mãos da magistratura dos éforos, há dois reis com funções de comandantes militares, quase sempre debaixo de uma estreita fiscalização dos éforos, mesmo no decurso das campanhas militares.
A evolução das Poleis gregas
Normalmente, porém, a evolução das poleis gregas não se detém na fase do predomínio dos aristocratas: progride, embora através de convulsões complexas (das quais se aproveitam muitas vezes indivíduos para se arrogarem um poder ilimitado: os tiranos), na direção de formas democráticas de governo do Estado.
Por que esta evolução ulterior se deu pela primeira vez na Grécia, e não noutro país (por exemplo na Fenícia), não é fácil explicá-lo.
Sabe-se, no entanto, que teve um papel importante na sua determinação uma casta plutocrática formada por meio do comércio marítimo, na qual a forma prevalente de riqueza era mobiliária (navios, mercadorias, escravos), em vez de agrária, como na aristocracia tradicional.
Talvez porque a própria configuração geográfica da Grécia favorecia o enriquecimento dos mais empreendedores através do comércio marítimo, para se dedicar ao qual não era preciso de início possuir grandes navios que pudessem enfrentar o mar alto, como era, pelo contrário, o caso dos navegadores fenícios. Isto não impedia, naturalmente, a parte mais progressista da aristocracia de se meter também em empreendimentos comerciais, vindo assim a participar, não só de novas formas de riqueza, mas também de uma nova mentalidade.
A classe plutocrática, abstraindo da origem dos indivíduos, achou útil, em várias ocasiões, apoiar-se nas classes mais modestas para combater o monopólio político da aristocracia de base agrária: o resultado foi um progressivo reconhecimento dos direitos políticos a todos os cidadãos livres, sem distinção de nascimento ou de riqueza.
Este esquema geral está, porém, limitado e integrado de maneira bem precisa: isolado dar-nos-ia uma visão completamente distorcida da realidade das poleis gregas, mesmo das mais democráticas.
Pontos principais
Os pontos principais a ter presentes são os seguintes:
1) O processo de democratização das instituições políticas, justamente porque normalmente acompanhado de uma maior prosperidade económica de base comercial, coincide com a afluência, nas poleis mais importantes, de mercadores e artesãos estrangeiros, que dificilmente conseguem obter a plena cidadania (em Atenas, os metecos), e sobretudo de uma grande quantidade de escravos. Os cidadãos livres bem depressa se tornam uma minoria, muitas vezes mesmo uma pequena minoria; por isso, também eles constituem uma espécie de aristocracia, em relação ao conjunto das populações da cidade.
2) A cidade-estado grega não é uma entidade unicamente política, como os estados modernos, mas também uma realidade religiosa. Cada cidade gloria-se de um seu mítico fundador de origem divina ou semidivina e tem uma divindade privada que considera sua protetora. As próprias leis, ao princípio, são consideradas de origem ou de inspiração divinas, e só muito lentamente se chega a reconhecer nelas uma obra exclusivamente humana. A polis não renegará nunca este seu carácter ético-religioso, mas no decurso do processo a que nos referimos modificá-lo-á, isto é, chegará a conceber a justiça divina de maneira mais adequada às novas exigências.
3) Não é verdade que o único fator que tenha agido em favor da afirmação de ideais democráticos haja sido o fator económico ligado à expansão comercial. Entre a população rural, que continuou quase sempre a representar a mais importante classe produtiva da economia grega (mais importante do que a dos artesãos, do que a dos comerciantes ou a dos marinheiros), a classe dos pequenos proprietários e dos arrendatários reagia contra os abusos da aristocracia rural: parece que Hesíodo (como veremos no parágrafo seguinte) foi buscar à civilização mais adiantada das colónias da Asia Menor o seu superior conceito de justiça, mas é certo que se dirigia à humilde população agrícola da Beócia quando expunha, na obra Os Trabalhos e os Dias, o seu ideal de vida justa, pacífica, laboriosa. E em alguns casos vemos que a contribuição das classes rurais para a formação da nova democracia grega não é de maneira nenhuma de desprezar.
4) O individualismo, de que se fala muitas vezes como de uma característica grega, e que parece convir a uma civilização de carácter comercial e marítimo, não foi inteiramente, na Grécia, aquilo que nós entendemos hoje por essa palavra. Hoje um cidadão particular não só desenvolve uma atividade económica normalmente autónoma, em relação ao Estado, mas ainda para ele a religião, os divertimentos (cinema, teatro, clubes, as várias diversões), os desportos, são todos assuntos privados, pelo menos no sentido de terem pouco que ver com o Estado. Porém, na Grécia tudo estava intimamente ligado à vida da polis: a religião era assunto de Estado, os espetáculos teatrais e desportivos eram organizados pelo Estado, os locais de reunião eram muitas vezes os ginásios públicos; a vida familiar gozava de escassa consideração como meio de enriquecimento da existência, de maneira que nem por esse lado o cidadão grego era levado a saborear uma forma de existência privada.
À luz destas concretizações, já não poderá espantar-nos um facto que é talvez o mais importante e caraterístico no desenvolvimento da cultura grega, ou seja, o de que esta avança mais por integrações sucessivas do que por reviravoltas bruscas e, principalmente, que ela, na sua forma mais amadurecida, ligada à afirmação da democracia, não repudia inteiramente a ética aristocrática (tal como a vimos já em Homero), mas fá-la sua em grande parte, embora enriquecendo-a e elaborando-a em formas mais complexas.
Hesíodo e Píndaro
Um dos mais interessantes exemplos de integração de motivos ético-religiosos com elementos novos é dado pela poesia de Hesíodo (que viveu por volta de 700 a. C.), que reelabora, com pertinência, o mundo das divindades homéricas. Zeus é para ele o Deus surpremamente justo, que humilha os poderosos e exalta os fracos, e a quem ele se dirige para que ilumine os juízes durante o seu litígio com o irmão Perses, mandrião e esbanjador (Os Trabalhos e os Dias são uma série de conselhos que o poeta dá a Perses). Convida o irmão a pôr-se de acordo com ele sem processo, porque junto da tradicional deusa da discórdia (a Éris maligna) , que instiga à injustiça c ao litígio, está também, segundo Hesíodo, uma Éris benigna, que não levanta contendas, mas emulação no trabalho: esta é a única forma positiva de competição ou de disputa, esta é a via que com fadigas e suores leva o homem ao verdadeiro bem-estar.
E o poemeto continua com uma série de conselhos morais e práticos que dizem respeito, não à heroica lide guerreira, mas à fadiga humilde e à luta quotidiana do camponês, do pastor e do navegante.
A diversidade das atividades tratadas não nos deve surpreender: Hesíodo, que declara ter sido pastor antes de se tornar rapsodo, diz-se filho de um mercador originário da Eólia, na Ásia Menor, que se estabeleceu mais tarde em Ascra, na Beócia.
Sentido de Justiça
O profundo sentido da justiça e do direito de que está penetrada toda a obra de Hesíodo era uma experiência que lhe vinha provavelmente do mundo mais avançado das colónias da Ásia, onde já estava plenamente em curso a luta pela isonomia, isto é, pela igualdade de todos os cidadãos perante a lei. Daí o lugar eminente que dá, na sua obra maior, a Teogonia, à tríade das Horai, ou Horas: Dike (justiça ou direito), Eunomia (legalidade ou ordem) e Eirene (paz).
A Teogonia é uma grandiosa tentativa, não só para pôr uma ordem lógica e genesíaca no conjunto das divindades tradicionais, mas para representar, por meio de mitos poéticos, a própria origem do universo.
Do Caos original saíram primeiro Erebo (as profundezas da terra) e a Noite, depois o Eter e o Dia, em seguida Urano (o Céu) e o Mar. De Urano nasceram os Titãs, um dos quais, Cronos, mutilou e destituiu o pai e foi, por sua vez, destituído pelo filho Zeus, ou Júpiter, que venceu os Titãs e trouxe ao mundo ordem e justiça. Presidira a todas estas gerações uma força primigénia mais antiga do que qualquer outra: Eros ou Amor.
Visão geral de Hesíodo
Mas a visão geral de Hesíodo é, no fundo, amarga e pessimista. De facto, àquela evolução segue-se, depois do aparecimento do homem na terra, um processo de involução e de decadência, sintetizado no mito das cinco idades do mundo: a Idade do Ouro, a da Prata, a do Cobre, a dos Heróis, e a do Ferro, que é a presente e a pior. Note-se como no processo de decadência progressiva se insere um pouco estranhamente a Idade dos Heróis, isto é, o parêntese da epos cantada pelos rapsodos, que ele, rapsodo popular, não pode renegar e que, pelo contrário, lhe serve para acentuar por contraste a desolação da infeliz Idade do Ferro, que se lhe seguiu. E Hesíodo não sonha sequer com uma predestinada e fácil volta às felizes origens: na grandiosa ordem cósmica por ele imaginada, a obra humilde do homem do presente, que é luta e dor, pode não ser votada a um êxito visível, mas mantém uma sua altíssima dignidade.
Os célebres Epinici de Píndaro
Tanto pode considerar-se Hesíodo, num sentido bastante típico, um poeta democrático, como aristocrático foi um seu conterrâneo bastante mais tardio, Píndaro (nascido em Tebas, na Beócia, na primeira metade do século v a. C.). Este canta nos seus célebres Epinici (hinos «para depois da vitória») as glórias dos vencedores nos jogos pan-helénicos, esses jogos que representam um dos mais importantes elementos da união do povo grego: além dos Jogos Olímpicos, considerados tão importantes que serviam de ponto de referência para a contagem dos anos, eram célebres os Jogos Délficos, os Ístmicos e os Nemeus.
Já em Homero, o valor atlético e a prática desinteressada do desporto estão associados à areté aristocrática; no tempo de Píndaro, que é o das Guerras Pérsicas, o atletismo é ainda quase um monopólio da aristocracia (devido a razões económicas e de tradição), ao passo que já o não são nem a guerra, nem a política. Por isso, o poeta encontra nas vitórias desportivas a melhor ocasião para exaltar, com religiosa solenidade, a virtude do atleta como reafirmação de uma antiga nobreza de estirpe, que remonta a uma nítida origem divina.
A virtude aristocrática (areté aristocrática)
A areté aristocrática pode permanecer latente durante uma ou duas gerações, mas acaba sempre por se revelar: «o bom sangue não mente», parece ser o núcleo da sabedoria conservadora deste poeta, que sabe, no entanto, enriquecê-lo com um tão grande entusiasmo e com um tão grande esplendor de evocações míticas e épicas («voos pindáricos») que dele tira a inspiração para um canto sublime.
Que dizer das pretensões das novas classes sociais (a que nós chamaríamos burguesas), as quais desejavam fazer seus os valores da velha aristocracia, isto é, desejavam aprender a virtude? Será possível ensinar a virtude? Eis a clara resposta de Píndaro:
Pleno valor [areté, virtude] só o tem aquele em quem o mérito glorioso é inato. Quem possuir apenas quanto aprende, como vacilante sombra de homem, não avança nunca com passo seguro, mas mil coisas sublimes, com espírito imaturo, apenas prova.
Píndaro, como poeta, não teve discípulos, nem imitadores, mesmo porque a importância dos jogos pan-helénicos começou a declinar rapidamente e tornaram-se cada vez mais apanágio de atletas profissionais, provenientes das regiões mais incultas da Grécia. Mas o problema a que Píndaro alude (o da impossibilidade de ensinar a virtude) será retomado por Sócrates, e a resposta formulada por Píndaro encontrará uma grandiosa sistematização racional na República de Platão.
Esparta e a Educação Espartana
Entre o tempo de Hesíodo e o de Píndaro situa-se, como já dissemos, um período de intenso desenvolvimento económico e político das paleis. Já se ouve em Hesíodo o eco do progresso atingido pelas cidades marítimas da Ásia Menor, sobretudo da Jónia; Píndaro é a voz mais eloquente da reação aristocrática no momento em que se afirmavam novas tendências na mãe-pátria.
Mas o mundo aristocrático estava morto, pelo menos nas suas formas tradicionais de domínio político absoluto: só sobreviverá renovando-se, quer num ideal de civismo superior, como em Atenas (de que falaremos mais adiante), quer numa espécie de desesperado racismo militarista, como em Esparta.
Esparta é, muitas vezes, considerada como o protótipo da cidade de governo aristocrático. No entanto, isso é só parcialmente exato. As diferenças entre os cidadãos, em Esparta, são menores do que noutro qualquer lugar. Porém, os cidadãos, isto é, os libertos com direitos políticos (os espartanos), são poucos, comparado com o número dos cativos que ainda gozam de uma certa liberdade civil (os periecos), ou dos reduzidos à condição de escravos ou de servos da gleba (os ilotas), que podem constituir uma restrita aristocracia guerreira, que invoca os direitos do sangue para justificar o seu despótico privilégio, pois se consideram os autênticos descendentes dos conquistadores dórios.
Não parece que até ao fim do século VIII o desenvolvimento de Esparta fosse muito diferente do das outras cidades gregas, das quais era de muito longe a mais esplendorosa e a mais rica e para a qual se dirigiam poetas e artistas de toda a parte. Mas, logo que estendeu o seu domínio por sobre o Peloponeso, preferiu mantê-lo sob a forma de um rígido e brutal militarismo, em vez de alargar as vantagens às classes produtoras.
Os espartanos propriamente ditos, de facto, desdenhavam de todas as ocupações que não fossem o manejo das armas, a caça e o desporto; a vida política estava-lhes reservada, mas demonstravam por ela muito pouco gosto: gostavam pouco das discussões, fugiam dos longos discursos (praticavam o laconismo), e, na prática, a restrita magistratura dos éforos e a pequena assembleia dos anciãos (composta por trinta membros provenientes das mais antigas famílias) tratavam de todos os assuntos do Estado.
Soldado antes de cidadão
O cidadão espartano, antes de cidadão, era soldado: até aos 20 anos era treinado para a vida militar, até aos 30 prestava serviço militar sem interrupção, até aos 60 ficava na reserva, voltando muitas vezes a pegar em armas, isto é, todas as vezes que a pátria em luta tinha necessidade dele. A educação de um tal cidadão-soldado era um dos mais importantes deveres do Estado.
Na Grécia arcaica, era geralmente considerado um direito dos pais exporem ao ar livre (que era praticamente matá-los) os filhos disformes ou de qualquer forma não desejados, mas em Esparta também este direito era exercido por conselhos de anciãos, e não pelos particulares, se bem que, segundo parece, raramente chegassem a expor efetivamente os recém-nascidos no Taígeto (e mesmo nesse caso podia acontecer que ilotas compadecidos os recolhessem). Esta preocupação de excluir de início do número dos cidadãos aquele que não prometesse ser um bom guerreiro é bastante significativa.
A criança só pertencia à família até aos 7 anos: depois, até aos 20, era instruído e educado em instituições públicas, debaixo da vigilância de um magistrado especial, o pedónomo. Ali as crianças viviam em comunidade, distribuídas em grandes secções (agele), segundo as idades.
As secções eram depois divididas em grupos comandados pelo rapaz que mais se distinguia; as agele eram, porém, sempre comandadas por ireni chefes, isto é, por jovens de 20 anos escolhidos entre os melhores (ireni era o nome dos jovens entre os 16 e os 20 anos).
E. evidente que este sistema estimulava a emulação a todos os níveis. Era rigorosamente ordenado: até aos 12 anos, a atividade lúdica prevalecia (e parece que as crianças podiam ainda passar uma parte do tempo em família); em seguida, predominava uma cada vez mais rígida vida de caserna, que para os ireni tinha um carácter acentuadamente pré-militar.
A organização era, no conjunto, dirigida por adultos, e devia haver mestres especialistas para algumas matérias e atividades, como a música, o canto coral e a dança coletiva.
Educação-física e treino militar em primeiro plano
A educação física e o treino militar ocupavam, naturalmente, um lugar de primeiro plano, punha-se especial cuidado em habituar os jovens, não só a dormirem sobre duras enxergas, a comerem frugalmente, mal protegidos do frio e do calor, mas mesmo a suportarem graves incómodos e tareias ferozes sem pestanejar. Papel pouco importante parece ter tido, porém, na educação espartana, a educação literária e o próprio alfabeto.
Mas merece uma referência à parte a educação moral, por um lado, admirável, por outro, repugnante. O rapaz era habituado desde pequeno a sentir-se membro da comunidade e a encaminhar toda a sua ambição para o momento em que pudesse combater por ela. O respeito pelas leis da pátria, pelos magistrados, pelos anciãos, era profundo. Mas nele era também cultivado, e da maneira mais eficaz, o desprezo pelos estrangeiros e sobretudo o ódio pelas classes inferiores.
Este ódio era inculcado por meio de sistemas a que hoje chamaríamos ativos: eram encorajadas atividades de pequenas guerrilhas terroristas e de espionagem em prejuízo dos ilotas (cryptia); o próprio roubo era admitido, com a condição de ser executado com destreza, e provavelmente não dos haveres dos cidadãos livres (e aquele devia ser muito apreciado, pela razão de que podia constituir uma maneira de completar a alimentação deficiente); também nas raparigas, educadas de maneira análoga, se tentava extirpar toda a sensibilidade afetiva, para fazer delas mães fortes e prontas a preferir o bem da pátria ao dos próprios filhos (isto é, mães espartanas, capazes de entregar o escudo ao filho e de lhe dizer: «Volta com ele, ou debaixo dele.»).
No conjunto, a educação espartana, tal como nos foi transmitida e tal como foi admirada desde a Antiguidade até por grandes génios, é uma educação típica de estado totalitário , no qual, como diz Plutarco, os cidadãos se habituam «a não quererem nem saberem viver sozinhos, a estarem sempre unidos, como as abelhas, à volta dos seus chefes para o bem comum», com a diferença, porém, de que as abelhas vivem do seu trabalho, ao passo que os Espartanos viviam do que era dos outros e das contínuas guerras e incursões.
Mas provavelmente Plutarco exagera; o sistema não parece ter tido a eficácia que ele lhe atribui. Desde que os Espartanos adotaram esta educação de caserna, tiveram bem poucos êxitos, à parte a vitória sobre Atenas, que, porém, os deixou exaustos e expostos, pouco tempo depois, à tremenda humilhação da derrota irremediável infligida pelos Tebanos: não foram sequer tão insensíveis ao luxo e à corrupção como se possa pensar; as famosas mulheres espartanas, que se gabavam de nunca terem visto o fumo dos acampamentos inimigos, a primeira vez que o viram deixaram-se tomar de um pânico maior do que as mulheres de qualquer outra cidade.
Sistema educativo espartano após a submissão a Roma
O sistema educativo espartano continuou, todavia, a funcionar no vácuo, mais rígido e mais feroz do que nunca, quando Esparta estava já submetida a Roma e já não constituía, na realidade, mais do que uma atração turística: com efeito, os estrangeiros acorriam a ver, de escadarias propositadamente construídas em semicírculo, as ferozes flagelações das crianças espartanas diante do templo de Ártemis Ortia.
Aquela competição de resistência à dor, levada às vezes a consequências mortais, apenas servia já para provocar sensação na multidão dos espectadores, como os espetáculos de circo.
A Educação Ateniense
A educação espartana encontrou muitos admiradores entre os literatos e os filósofos, mas conservou-se, na realidade, um fenómeno quase isolado no mundo grego. Bem mais representativa das características essenciais do espírito grego nos parece, pelo contrário, a educação ateniense, sobretudo pela sua capacidade plástica de se renovar e de evoluir, tanto em contraste com b estatismo conservador de que se comprazia Esparta.
No século VII a. C., quando Esparta já era uma cidade esplendorosa e potente, Atenas era ainda uma pequena cidadezinha de economia rural e governo aristocrático, mas os seus contactos com as prósperas e dinâmicas colónias jónias da Ásia Menor aceleraram a evolução dos gostos e das ideias. Enquanto a aristocracia assimilava a maneira de viver requintada e luxuosa da Jónia, deve ter encontrado um eco, ainda que muito débil, entre os comerciantes, os artesãos, e sobretudo entre os camponeses, carregados de dívidas, aquela ideia da igualdade dos cidadãos perante a lei (a isonomia) que já se tinha substancialmente afirmado nas colónias orientais e que já influenciara, como vimos, a poesia de Hesíodo.
Harmonia e equilíbrio de Sólon
Sólon representou bem, no início do século VI, o espírito de superior harmonia e de equilíbrio que havia de engrandecer Atenas: nascido na alta nobreza, soube elevar-se acima dos interesses de partido, melhorou um pouco o destino das classes trabalhadoras rurais, foi ao encontro das novas atividades comerciais e tentou realizar uma síntese harmoniosa do antigo e do novo com a sua obra de legislador: só assim, explica ele numa das suas elegias (pois foi poeta e dos grandes) a cidade podia progredir no caminho da justiça e do direito e evitar cair nas mãos de um tirano que se apoiasse no povo descontente.
Na realidade, houve, apesar disso, um tirano (Pisístrato), e a evolução democrática tomou logo a seguir um ritmo mais acelerado com Clístenes. Durante as Guerras Pérsicas, Atenas era a cidade mais democrática da Grécia e ao mesmo tempo a mais rica e a mais poderosa, cabeça da Confederação de Delos, cuja potência era essencialmente marítima.
Aristocracia e democracia no mesmo sistema
A aristocracia não foi, porém, aniquilada, nem se perdeu a tradicional religiosidade; em Atenas, a harmonização e a síntese de elementos de contraste foi mais a regra do que a exceção. É útil insistir no facto de que a continuidade entre educação aristocrática e educação democrática era favorecida pela própria estrutura da pólis: Atenas nos seus tempos de maior esplendor, tinha uma população formada por três quartos, pelo menos, de escravos, e daí a tendência de todos os homens livres para assimilarem os principais aspetos da educação aristocrática.
Por exemplo, a educação físico-desportiva era ainda no século VI apanágio dos nobres, que em grande parte a recebiam em família, mas no início do século V vemos já os rapazinhos irem à lição de ginástica na palestra particular do pedótriba e no fim do mesmo século cidadãos de todas as classes frequentam os ginásios públicos.
A mesma coisa aconteceu com a educação musical dada pelo citarista, difundida progressivamente nas várias camadas da população: a ginástica e a música constituem, de facto, aquilo que Platão chama «a velha educação», isto é, a educação tradicional da sua cidade. Também em Esparta, como já vimos, a ginástica e a música estavam na base da educação, mas ali tanto uma como outra eram consideradas essencialmente auxiliares na formação do guerreiro e bem depressa se lhe juntava o treino militar propriamente dito.
Em Atenas, onde também é cultivado de maneira diferente o ideal do cidadão-soldado, o treino militar propriamente dito só será obrigatório muito tarde, durante ou depois da desastrosa Guerra do Peloponeso: trata-se da instituição do efebato, uma espécie de serviço pré-militar que durava dos 18 aos 20 anos. No tempo, porém, da maior grandeza ática o jovem recebia um treino gímnico exclusivamente dirigido ao desenvolvimento simultâneo da força e da harmonia do espírito e do corpo, sem preocupações especiais de preparação militar.
A música, termo que indicava as artes das musas em geral, e que englobava também, por isso, a cultura poético-literária aprendida oralmente (a poesia grega era cantada ou, pelo menos, acompanhada por um instrumento), era mais rica e mais variada em Atenas do que em Esparta, porque não estava limitada a uma finalidade exclusivamente patriótica e guerreira.
Todavia, ao lado do citarista e do pedótriba aparece bem cedo o gramático que ensina a ler e a escrever e talvez também a contar. A este último se chamará bem depressa o didáscalo, isto é, mestre por antonomásia; note-se que também pedótriba significava etimologicamente mestre ou guia da criança, com a diferença de que no século VI o mestre por excelência era o de ginástica, enquanto no século IV era o que ensinava a escrita.
O pedótriba, o citarista e o gramático eram mestres particulares que ministravam um ensino coletivo. Existem também, é certo, os pedagogos, mas são simples escravos, cuja missão é acompanhar os rapazes às palestras ou didascálias, onde se ministrava o ensino coletivo, vigiar o comportamento deles ou tratar do seu vestuário, etc. Colaboravam, pois, na sua formação moral, mas escassamente na intelectual.
Educação essencialmente privada
A educação em Atenas era, pois, essencialmente privada, mas o Estado vigiava a sua eficiência: parece que já leis antigas obrigavam os pais a providenciar que os filhos aprendessem música e ginástica, e uma lei mais recente, atribuída a Sólon, exigia que todos os rapazes aprendessem o alfabeto e a natação.
Além disso, o Estado dava os ginásios (dirigidos por um magistrado chamado gimnasiarca), onde os jovens e os adultos continuavam a exercitar-se fisicamente e que constituíam também lugares de encontro e de conversação intelectual. Naturalmente, mais tarde a instituição do efebato foi também do Estado.
O quadro que traçamos seria, todavia, insuficiente para nos explicar a formação completa do cidadão no século de Pérides se ao lado destes fatores institucionais da educação não considerássemos outros, indiretos, mas muito eficazes, como as cerimónias religiosas, os espetáculos teatrais e desportivos e sobretudo a frequência das assembleias e tribunais públicos, magníficas escolas de democracia em ação.
Ainda que completado desta maneira, o quadro da educação ateniense não dá notícia de uma educação profissional. Essa era dada na prática, naturalmente, pelo aprendizado de oficina, mas o trabalho manual era tido em muito pequena conta, sendo preponderante o ideal liberal, e nunca o profissional. Neste sentido, a democracia ateniense adotou o apreço aristocrático pelo lazer, isto é, pelo tempo de que cada um é livre de dispor para se cultivar pelo prazer da cultura (em grego scholé, donde veio escola), dando-lhe, porém, uma direção nova, não já predominantemente desportiva e guerreira, mas política. Para uma pessoa se ocupar de política precisava de ter tempo livre (não obstante no tempo de Péricles muitos cargos fossem remunerados).
Aristóteles chegará a lastimar que aqueles que fazem trabalhos manuais possam ser cidadãos livres, por não terem a possibilidade de se dedicarem à busca da verdade, necessária para atuar com justiça.
A educação ática não se estendia às raparigas, nem às mulheres, que viviam praticamente encerradas no gineceu (a parte da casa que lhes estava reservada). Na Jónia desenvolveram-se excecionalmente formas de educação feminina de requintado carácter literário, como em Lesbos, onde parece que a poetisa Safo cuidava da educação de um grupo de raparigas. Todavia, para se poder falar de educação feminina organizada é necessário esperar pelo Período Helenístico.
A história da pedagogia
A Educação do Cidadão Grego é o 5º artigo publicado da história da pedagogia e o terceiro da categoria CULTURA E EDUCAÇÃO NA ANTIGUIDADE.
Resumo dos artigos já publicados:
1. INTRODUÇÃO
2. CULTURA E EDUCAÇÃO NA ANTIGUIDADE
- A Educação no Oriente Antigo
- A Educação no Mundo Homérico
- A Educação do Cidadão Grego [este artigo]
O que vem a seguir
A seguir vamos continuar na categoria CULTURA E EDUCAÇÃO NA ANTIGUIDADE com o artigo «O aparecimento da reflexão filosófica».