Introdução à História da Pedagogia

Pareceu-nos interessante incluir neste blog sobre formação e emprego uma sequência lógica de artigos que, no seu conjunto, tentarão reconstituir uma História da Pedagogia.

São, sem dúvida, muitas as dificuldades que o ensino da filosofia e da pedagogia encontra nas escolas de formação dos professores. O objetivo destes textos, muito suportados na obra de Nicola Abbagnano e Aldo Visalberghi, é fornecer aos profissionais da educação um ágil instrumento que os ajude a explorar ambas as vertentes, histórica e filosófica, da educação.

O Mito de Prometeu

Talvez o mito de Prometeu, tal como se encontra exposto no Protágoras de Platão, seja o melhor caminho para tentar compreender a natureza e as tarefas da educação.

Descrevemos aqui um resumo do mito que naquele diálogo vem exposto por Protágoras.

O Mito de Prometeu (pintura de Heinrich Friedrich Füger, o fogo de Prometeu) ilustra esta introdução à história da pedagogia.
Mito de Prometeu

Quando os deuses acabaram de modelar as estirpes animais, encarregaram Prometeu e Epimeteu de lhes distribuírem as faculdades de que convinha que fosse dotada cada estirpe para poder sobreviver.

A distribuição foi feita primeiramente por Epimeteu. Atribuiu a alguns animais a força sem a velocidade, a outros, os mais fracos, atribuiu a velocidade, para que pudessem salvar-se dos perigos pela fuga; a outros deu meios de defesa ou de ataque ou outras aptidões que tornassem possível a sua conservação.

Aos animais mais pequenos deu a possibilidade de fugirem voando ou de se esconderem debaixo da terra. Aos maiores deu, com a própria corpulência, a maneira de se preservarem.

E assim, distribuindo a cada um uma faculdade apropriada, permitiu evitar a extinção de qualquer das espécies. Distribuiu, além disso, pelos espessos e peles para se defenderem do frio do Inverno e do calor estival. E procurou para cada espécie animal uma comida diferente: ou as ervas da terra, ou os frutos das árvores, ou as raízes, ou, para alguns deles, a carne dos outros animais. Todavia, determinou que os carnívoros tivessem prole pouco numerosa, enquanto às suas vítimas deu uma prole abundante, de maneira a garantir-lhes a conservação da espécie.

Epimeteu esqueceu-se dos homens

Ora Epimeteu, que não possuía a sageza suficiente, não reparou que tinha distribuído todas as faculdades aos animais irracionais: o género humano continuava desprovido de tudo; e Prometeu, quando veio examinar a distribuição feita por Epimeteu, verificou que, enquanto todos os outros animais estavam convenientemente apetrechados para a sua conservação, o homem ficara nu, descalço, indefeso e inerme.

Foi então que Prometeu pensou em roubar a Hefesto, e a Atena o fogo e a aptidão mecânica e dotar com eles o homem.

Com aptidão mecânica e com o fogo o homem ficou habilitado a procurar a proteção, a defesa, as armas e os instrumentos para procurar a alimentação, dos quais a distribuição pouco cuidadosa .de Epimeteu o privara.

Utilizando a aptidão mecânica e o fogo, o homem pôde construir as casas, fabricar o calçado e as roupas para se cobrir, e também os instrumentos e as armas para procurar os alimentos. Começou também a articular a voz com arte, de modo a formar palavras e nomes. E foi também o, único ser mortal que, participando de um atributo divino, honrou os deuses e construiu altares e imagens sagradas. No entanto, tudo isso ainda não era suficiente para garantir a vida dos homens. Eles viviam dispersos e não eram capazes de combater as feras. Eles bem procuravam reunir-se e fundar cidades para se defenderem, mas, quando se reuniam, não possuindo a arte política, isto é, a arte de viverem em conjunto, lutavam entre si e de novo se dispersavam e morriam.

A intervenção de Zeus

Zeus teve então de intervir para salvar, pela segunda vez, o género humano, da dispersão: mandou Hermes levar aos homens o respeito recíproco e a justiça, a fim de que estes fossem os princípios ordenadores da comunidade humana e criassem entre os cidadãos vínculos de solidariedade e de benevolência. E, ao contrário das artes mecânicas, que não foram dadas a todos por igual, visto que, por exemplo, um só médico basta para muitos desconhecedores da arte da medicina, Zeus estabeleceu que todos participassem na arte política. Esta arte significava respeito recíproco e justiça. E todos os que se recusassem a participar dela seriam afastados da comunidade humana ou mortos.

O que nos diz o Mito de Protágoras sobre a educação

Este mito de Protágoras contém algumas verdades importantes. A primeira é que o género humano não se pode conservar sem a arte mecânica e sem a arte de viver em sociedade.

A segunda é que estas artes, exatamente por serem artes (isto é, não são instintos ou impulsos naturais), devem ser aprendidas. O homem deve aprender as técnicas de uso dos objetos já construídos. Do mesmo modo, deve aprender as técnicas de trabalho dos objetos a construir ou a produzir. Além disso, deve aprender a comportar-se no convívio com os outros homens. Desse modo, a colaboração e a solidariedade são garantidas. Platão chamavam a isto «o respeito recíproco e a justiça».

Por isso, o homem tem uma infância mais longa (relativamente à duração da sua vida) e mais trabalhosa que a dos outros animais. Não obstante, também, estes têm de aprender a usar os órgãos de que a Natureza os dotou, e por isso atravessam todos, mais ou menos, um período de adestramento, que corresponde à educação para o homem. Mas os irracionais entram rapidamente na posse das capacidades apropriadas à sua conservação, porque estas capacidades estão inscritas, como justamente dizia Protágoras, na sua própria estrutura orgânica, nos dons que Epimeteu distribuiu.

O ser humano tem que aprender a utilizar até os mais básicos objetos.
O ser humano necessita aprender a utilizar até o mais básico dos objetos

Ao homem, pelo contrário, o uso imediato dos órgãos, como, por exemplo, aprender a ver, a mover-se, a caminhar, não, chega para lhe garantir a vida: são-lhe necessários os dons de Prometeu e de Zeus, as técnicas mecânicas e morais, que requerem um adestramento muito mais longo e trabalhoso.

Note-se que para a aquisição destas técnicas se exige a linguagem. Por isso mesmo, sem a linguagem, não só elas não poderiam ser comunicadas de homem a homem, como nem sequer teriam podido nascer e desenvolver-se. Só o uso da linguagem consente, de facto, as abstrações e as generalizações indispensáveis à formação das próprias técnicas.

Uma palavra (o sinal linguístico) não designa uma coisa particular, esta coisa, mas um objeto genérico, definido pelo seu uso possível; por exemplo, as palavras «machado», «flecha», «arco», etc., não designam este machado, esta flecha, etc., mas um machado, uma flecha qualquer (independentemente das suas particulares forma, grandeza, cor, etc.), definidas pelo uso particular para que servem.

Assim, quando uma criança aprende a falar, não aprende a designar cada coisa por uma palavra, como normalmente se crê, mas antes a reconhecer nas coisas singulares, por intermédio das palavras, a possibilidade genérica do uso que as define. Por exemplo, quando a mãe lhe diz «isto é um garfo», o que lhe ensina não é tanto a palavra em si mesma quanto a relação entre a palavra e toda uma série de objetos (todos os garfos possíveis, de qualquer forma, grandeza, material, etc.) definíveis mediante o uso comum a que eles são destinados.

Protágoras tinha, portanto, razão, em ligar à arte mecânica, isto é, às técnicas de uso e de produção dos objetos, a arte da palavra, porque, na verdade, as duas coisas não podem existir uma sem a outra.

(Platão, Prometeu e a Mitologia)

Género Humano e Sociedade Humana

Até agora falámos como se o género humano constituísse uma unidade única. Como se fosse um todo único e homogéneo. Na realidade, porém, as coisas não se passam assim. Como no mundo animal algumas espécies apenas sobreviveram durante um certo tempo e depois extinguiram-se. No entanto outras evoluíram: umas numa direção, outras noutra (o que levou Bergson a comparar a evolução da vida a um «feixe de caules» de comprimentos diversos, que apontam em inumeráveis direções). Assim, no mundo humano, alguns grupos de homens evoluíram mais, outros menos, alguns dispersaram-se, outros sobreviveram, uns imobilizaram-se em formas de civilizações primitivas, outros orientaram-se para formas de civilização em contínuo desenvolvimento.

Mesmo no mundo humano como ele hoje se nos apresenta, e prescindindo da sua história ou evolução passada, nós fazemos uma primeira e grosseira distinção entre sociedade primitiva e sociedade civilizada. Voltaremos dentro de instantes a esta definição; mas devíamos imediatamente notar que as chamadas sociedades primitivas compreendem grupos humanos diversos e díspares, com usos, costumes e crenças diversos; e o mesmo vale em relação às chamadas sociedades civilizadas, nas quais encontramos profundas distinções de modos de viver e de crenças (basta pensar, por exemplo, na diferença entre o mundo cristão ocidental, o mundo muçulmano, o mundo indiano, o mundo chinês, etc.).

Diferentes culturas

Podemos exprimir este facto dizendo que cada grupo humano (primitivo ou civilizado) tem urna cultura própria, que lhe permitiu sobreviver. Com a palavra «cultura» entenderemos então um conjunto de técnicas de uso, de produção e de comportamento, mediante as quais um grupo de homens está apto a satisfazer as suas necessidades, a proteger-se contra a hostilidade do ambiente físico e biológico e a trabalhar e viver em coletividade de uma forma mais ou menos ordenada e pacífica. Pode também dizer-se que uma cultura é um conjunto, mais ou menos organizado e coerente, dos modos de vida de um grupo humano: donde o entenderem-se por «modos de vida» as mesmas coisas, isto é, as técnicas de utilização, de produção e de comportamento. As regras que definem estas técnicas constituem aquilo a que vulgarmente se designa por usos, costumes, crenças, ritos, cerimónias, etc.

Até um costume aparentemente insignificante e banal, por exemplo um modo de saudar, é uma regra de comportamento destinada a sublinhar o comportamento amistoso (ou não hostil) de um homem em relação a outro homem. As crenças, os ritos, o cerimonial mágico, de muitos povos primitivos são considerados regras técnicas apropriadas para obter certos resultados, por exemplo a chuva, o afastamento de um flagelo, ou de uma epidemia, ou da guerra, etc. Resumindo, uma cultura é o conjunto idas capacidades e aptidões, não puramente instintivas, de que um grupo de homens dispõe para poder manter-se na vida, singular e colectivamente (isto é, como grupo).

Cultura e Educação

O carácter mais geral e fundamental de uma cultura é ela dever ser aprendida, isto é, de qualquer modo transmitida e aprendida. Exatamente porque um grupo humano não pode sobreviver sem a sua cultura (a menos que assuma uma cultura diferente mais eficaz ou igualmente eficaz, caso em que mudará correspondentemente a sua natureza agregativa), o interesse fundamental do grupo está em que a cultura não se disperse ou não se olvide, mas seja transmitida das gerações adultas às gerações mais jovens de modo que estas venham a ser igualmente capazes de adotar os instrumentos culturais e tornem assim possível a continuação da vida do grupo. Esta transmissão é a educação.

Certamente ais sociedades primitivas não têm escolas, no sentido que damos a esta palavra. Mas nelas também as crianças e os jovens são submetidos a um longo período de tirocínio e de aprendizagem, na companhia do pai, da mãe ou de outros adultos para tanto qualificados, após o qual, através de um conjunto de provas que o jovem deve superar (os exames das nossas escolas!) e de uma cerimónia solene de iniciação, é admitido entre os adultos e os responsáveis pela vida comum.

Educação cultural e educação institucional

A educação é, pois, um fenómeno que pode ter as formas e as modalidades mais diversas, segundo os vários grupos humanos e os seus graus de desenvolvimento; mas é sempre substancialmente a mesma coisa, ou seja a transmissão da cultura do grupo de uma geração a outra, transmissão mercê da qual as gerações mais jovens adquirem a capacidade de utilizar as técnicas que condicionam a sobrevivência do grupo. Deste ponto de vista, a educação chama-se educação cultural, quando se trata de transmissão da cultura de grupo, ou educação institucional, quando tem por fim conduzir as novas gerações ao nível das instituições, isto é, dos modos de vida ou das técnicas próprias do grupo.

Nunca será de mais insistir na importância da educação assim compreendida, não só para a vida e sobrevivência de qualquer grupo humano, mas também para a formação e o desenvolvimento da pessoa humana individualmente considerada. Vários factos parecem indicar que, arrancado ao convívio humano, um indivíduo perde ou não adquire, ou adquire numa medida mínima, os carateres humanos.

Apontaremos aqui somente o caso das chamadas «crianças selvagens». Trata-se de crianças perdidas e abandonadas na primeira idade e que, por isso, ficaram privadas do convívio humano, as quais sobreviveram como membros de grupos animais (por exemplo lobos ou símios superiores) e foram mais tarde reencontradas e restituídas ao convívio. humano.

Educação e cultura e sua importância na história da pedagogia

Em todos estes casos, os indivíduos, no momento de serem restituídos à sociedade humana, carecem de todos os caracteres humanos. Não falam e não possuem a capacidade de falar; o seu desenvolvimento mental deteve-se num plano apenas um pouco superior ao da imbecilidade. As suas reações são, em larga medida, automáticas: não parecem ter consciência de si e mostram-se indiferentes à companhia humana. Nalguns casos não têm sequer a posição ereta e aprendem-na com dificuldade. Não sorriem, nem riem, mas emitem sons semelhantes aos dos animais com os quais viveram.

Em todos estes casos, de resto, a sua educação ou reeducação foi, ou de todo impossível, ou possível somente em grau mínimo. Até ao desenvolvimento a que pode chegar um idiota.

Estes factos demonstram quanta importância tem na formação de uma pessoa normal um conjunto de influências educativas devidas aos contactos humanos, mediante os quais, até nas sociedades mais rudes e primitivas, a criança aprende as técnicas indispensáveis (a começar pela linguagem) que definem a sua condição humana.

Culturas Estáticas e Dinâmicas

Dado que sem a sua cultura um grupo não se pode conservar, nem os indivíduos a ele pertencentes atingir uma condição que possa dizer-se humana. Não admira que todos os grupos humanos procurem reforçar nos seus membros a consciência da importância, do valor, da indispensabilidade, das técnicas culturais. O modo mais simples para reforçar essa consciência é atribuindo ou reconhecendo a tais técnicas um carácter sagrado. Dessa forma, ignorar, violar ou menosprezar essas técnicas são considerados ações perversas ou ímpias, isto é, de natureza a incorrer no castigo humano ou divino.

Com efeito, nas sociedades primitivas, não são somente as técnicas de comportamento (os costumes, as regras morais, religiosas, etc.), que são protegidas por tais sanções. As técnicas de uso e produção dos objetos, ou por serem indispensáveis à vida do grupo, ou por, na ausência de documentos escritos, a sua transmissão se tornar mais difícil e correr o risco de se perder, também o são. Os ritos e as cerimónias que acompanham ou assinalam certas atividades do grupo (por exemplo o início da caça ou das colheitas), servem exatamente para garantir que essas atividades se desenvolvam consoante as técnicas tradicionais e que deste modo estas não venham a ser perdidas ou mudadas.

Sociedades primitivas

De tudo isto resulta que quanto maiores dificuldades um grupo humano encontrar para conservar e transmitir o seu património cultural, tanto mais ele será levado a reconhecer o carácter sagrado de cada parte ou elemento deste património. Esta é a situação própria das sociedades chamadas primitivas ou primárias, as quais, exatamente por isso, têm um carácter estático. Por outras palavras, tendem a conservar-se sem mutações possíveis da sua cultura. A procura de novos meios ou instrumentos, de novas formas de vida, é em tais sociedades ignorada ou condenada; e o indivíduo que lhe pertence tende, ou a evitar tudo quanto é novo, ou a referi-lo ao que é tradicionalmente conhecido.

Em confronto com as sociedades primárias, as sociedades chamadas civilizações são aquelas em que a cultura é aberta às inovações e que possuem instrumentos aptos a fazer-lhes frente, a compreendê-las e a utilizá-las. Estes instrumentos são fornecidos pelo saber em todas as suas formas, e precisamente pelo saber racional, o qual, sob este ponto de vista, se pode definir como a possibilidade de renovação e correção das técnicas culturais.

As sociedades primitivas não são, por isso, as mais jovens, como normalmente se crê; pelo contrário, são, cronologicamente falando, bastante antigas e não raro mais antigas que as mais antigas sociedades superiores. A sua caraterística é, antes, não terem encontrado outro modo de sobrevivência que não fosse o de imobilizar as técnicas de vida de que chegaram a apossar-se. Em comparação com elas, as sociedades secundárias, que sobreviveram mediante inovações e retificações, das suas técnicas, são, pode dizer-se, as mais jovens, precisamente porque se renovam.

Continuando a História da Pedagogia

Ainda a título introdutório da história da pedagogia, publicaremos em seguida o artigo intitulado Conceitos de Filosofia, Pedagogia e Ciência. Este artigo visa clarificar e, acima de tudo, distinguir os conceitos de filosofia, pedagogia e ciência.

Índice da História da Pedagogia

À medida que formos publicando os artigos que vão integrar a história da pedaogia, iremos inserir a respetiva ligação aqui, nesta página.

INTRODUÇÃO

  1. Introdução à História da Pedagogia [este artigo]
  2. Conceitos de Pedagogia, Filosofia e Ciência

CULTURA E EDUCAÇÃO NA ANTIGUIDADE