Aristóteles foi outro dos grandes filósofos gregos cuja contribuição para a história da pedagogia merece ser registada. Conheça a sua vida e a sua obra detalhadamente neste conjunto de artigos.
- A Vida de Aristóteles
- Os Escritos de Aristóteles
- A Filosofia como Ciência Particular
- A Lógica como Instrumento de Investigação
- A Metafísica
- A Teologia segundo Aristóteles
- A Física / A Biologia e a Psicologia
- A Ética Aristotélica / A Política e a Educação
A vida de Aristóteles
Aristóteles nasceu em Estagira em 384-383 a. C. e entrou para a escola de Platão aos 17 anos. Ali permaneceu até à morte do mestre (348-347), isto é, durante vinte anos. A sua formação espiritual realizou-se, portanto, inteiramente sob a influência dos ensinamentos e da personalidade de Platão.
A independência de pensamento e de crítica que mais tarde Aristóteles manifestou fez com que nascesse a lenda da sua ingratidão para com o mestre. No entanto, essa lenda é desmentida pela atitude que Aristóteles assume constantemente nas suas obras. Atitude que é, ao mesmo tempo, de liberdade e de respeito por Platão.
A amizade e a verdade, ambas me são caras, mas é uma coisa sagrada honrar acima de tudo a verdade. [diz Aristóteles num passo famoso da Ética a Nicómaco]
Depois da morte de Platão, Aristóteles deixou a Academia, à qual já nada o ligava, e dirigiu-se para Asso. Ali, com outros dois discípulos de Platão, Erasto e Corico, que já lá se encontravam sob a proteção do tirano de Atarne, Hérmias, reconstitui uma pequena comunidade platónica, onde provavelmente teve pela primeira vez um curso autónomo.
Aristóteles casou então com a filha de Hérmias, Pítia, e três anos depois transferiu-se para Mitilene.
No ano 324 foi chamado por Filipe rei da Macedónia a Pela, para orientar a educação de Alexandre. O pai de Aristóteles, Nicómaco, tinha sido médico da corte da Macedónia, uns quarenta anos antes; mas a decisão de Filipe foi certamente determinada pela amizade que Aristóteles nutria por Hérmias, aliado de Filipe. Aristóteles pôde assim formar o espírito do grande conquistador, ao qual comunicou indubitavelmente a sua convicção da superioridade da cultura grega e da sua capacidade de dominar o mundo se fosse coadjuvada por forte unidade política.
Mais tarde, porém, Alexandre adota para o seu governo as formas de um principado oriental, e então Aristóteles desligou-se dele.
No ano de 335-334, treze anos depois, Aristóteles volta para Atenas.
A amizade de um rei poderoso punha à sua disposição meios de estudo excecionais, que facilitaram as investigações que ele conduziu em todos os campos do saber. A escola que Aristóteles fundou, o Liceu, compreendia, além do edifício e do jardim, o passeio ou peripato, que deu origem ao nome. Aristóteles mantinha cursos regulares, e ali mantiveram também os seus cursos os discípulos mais antigos, Teofrasto e Eudemo.
No ano 323, a morte de Alexandre provocou uma insurreição do Partido Nacionalista Ateniense contra o domínio macedónico, o que pôs Aristóteles em perigo. Ele fugiu então para Cálcis, na Eubeia, pátria de sua mãe. Em 322-321, uma doença de estômago pôs fim aos seus dias; tinha então 63 anos.
Ver Biografia mais detalhada de Aristóteles (ING)
Os escritos de Aristóteles
De Aristóteles só chegaram até nós os escritos que ele compôs pela necessidade do seu ensino. Estes escritos são apontamentos que lhe serviam de base para as suas lições e foram designados acroamáticos, porque eram destinados aos ouvintes, ou também, mas impropriamente, esotéricos, isto é, contendo uma doutrina secreta.
Mas Aristóteles escreveu também outros trabalhos, que ele próprio designou por exotéricos, isto é, destinados ao público, e nos quais se servia, como Platão, da forma dialogada e revestia os seus pensamentos de mitos e de adornos oratórios, em contraste com a forma sóbria e severa dos trabalhos escolásticos.
Destes trabalhos exotéricos não nos restam mais que alguns escassos fragmentos. Esses trabalhos, tanto pela sua inspiração, como pelos assuntos que tratavam, colocavam-se muito próximo dos diálogos platónicos, dos quais até, por vezes, reproduziam os títulos.
Os trabalhos acroamáticos compreendem:
1. Escritos de Lógica
Notas conhecidas em conjunto sob o nome de Organon (instrumento de pesquisa): Categorias, um livro; Da Interpretação, um livro; Analíticos primeiro, dois livros; Analíticos Segundo, dois livros; Tópicos, oito livros; Sofística (refutação dos princípios sofísticos).
2. Metafísica de Aristóteles, em catorze livros.
Não é uma obra orgânica, mas um conjunto de escritos diversos, compostos em épocas diferentes, reordenados e publicados por Andronico de Rodes, aí por metade do século I a.C. Os livros I e II constituem a formulação mais antiga da metafísica aristotélica: Aristóteles, no decorrer deles, inclui-se a si próprio entre os platónicos.
Os livros XIII e XIV pertencem ao mesmo período e são uma reelaboração dos dois precedentes. O livro XII contém a teoria aristotélica, isto é, a teoria do primeiro motor imóvel. Os livros VII, VIII e IX expõem a teoria da substância, que é a última e a mais amadurecida forma da teoria aristotélica.
3. Escritos de física, de história natural, de matemática e de psicologia
Lições de Física, em oito livros; Sobre o Céu, em quatro livros; Sobre a Geração e a Corrupção, em dois livros; Sobre os Meteoros, em quatro livros; História dos Animais; Sobre as Partes dos Animais; Sobre o Movimento dos Animais.
A doutrina da alma é exposta em três livros, Sobre a Alma, e na coletânea intitulada Parva naturalia.
4. Escritos de ética, política, economia, poesia e retórica.
Com o nome de Aristóteles juntaram-se três tratados de ética: Ética a Nicómaco, a Ética a Eudemo e a Grande Ética. Esta última é um extrato das duas precedentes. A Ética a Eudemo foi editada por Eudemo de Rodes, discípulo de Aristóteles, e é mais antiga que a Ética a Nicómaco, editada pelo filho Nicómaco, que é o último trabalho moral e o mais completo do filósofo. Política, em oito livros. Constituição dos Atenienses: vinda à luz no início do século passado, é a primeira das 158 constituições estatais que Aristóteles tinha recolhido e que têm andado perdidas. Económica, em três livros, o segundo dos quais é espúrio. Retórica, em dois livros. Poética: só se conseguiu juntar a parte que diz respeito à origem e à natureza da tragédia.
A Filosofia como Ciência Particular
Aristóteles tem sobre a filosofia um conceito completamente diferente do de Platão. Para Platão a filosofia inclui em si, como estados imperfeitos ou preparatórios, todas as outras ciências; identifica-se com a procura de uma vida propriamente humana, isto é, ao mesmo tempo feliz e virtuosa. Para Aristóteles, pelo contrário, a filosofia é uma ciência particular, a par de muitas outras ciências, e não tem sobre elas nenhuma primazia além da de poder justificar a autonomia e o valor de todas as ciências. Este último dever é essencial para a filosofia, segundo Aristóteles.
A filosofia deve justificar todo e qualquer tipo de investigações, seja qual for o objeto a que se dirija, e deve, portanto, fornecer a base para reconhecer a todas, e às mais diversas disciplinas, o mesmo valor de ciência. f: evidente que este ponto de vista aristotélico tem uma grande importância para o desenvolvimento das ciências e também sob o ponto de vista educativo, já que tira às disciplinas que têm por objeto o estudo do mundo natural aquele carácter de inferioridade que Platão lhes atribuía.
Todavia, Aristóteles não chegou imediatamente a este conceito de filosofia, que é próprio dos seus anos mais amadurecidos, quando já tinha dirigido a sua atividade e a da sua escola no sentido da investigação científica e, muito especialmente, da biologia. Ele começou realmente com um conceito da filosofia que é bastante vizinho do platónico, isto é, com o conceito de que a filosofia tem por objeto a realidade superior a todas as outras, Deus, como motor dos céus e causa última das coisas.
Este conceito da filosofia como teologia foi exposto por Aristóteles nos diálogos (dos quais, como dissemos, apenas nos restam alguns fragmentos) e encontra-se também nalguns escritos que compõem a Metafísica. Ele não vai, porém, em reconhecer às outras ciências um valor igual ao da filosofia, já que o valor da filosofia é determinado pela superioridade do seu objeto (Deus) e o objeto das outras ciências é certamente inferior. No entanto, este conceito não permite à filosofia estabelecer o quadro total de todas as outras ciências e o dever específico de cada uma.
Por isso, nos livros que constituem a última e a mais amadurecida expressão do seu pensamento (especialmente o VII, o VIII e o IX livros da Metafísica), Aristóteles formula um outro conceito de filosofia. A filosofia não tem por objeto uma realidade particular, muito embora seja a mais elevada de todas, mas, pelo contrário, a realidade em geral, isto é, o aspeto fundamental e comum a toda a realidade, o ser enquanto é.
Cada ciência considera um aspeto particular do ser; por exemplo, a matemática tem por objeto o ser como quantidade, e a física, o ser em movimento. A filosofia considera o ser na sua máxima generalidade, e só enquanto ser. Deste modo, ela é a base de todas as outras ciências, visto que todas estudam o ser; mas é bastante mais ampla e compreende todas as outras ciências, porque considera o ser, não no seu aspeto particular, mas no seu carácter primário e fundamental, enquanto é.
Todavia, segundo Aristóteles, a filosofia deve proceder com o mesmo método de todas as outras ciências. As ciências, de facto, procedem por abstração, isto é, despojando as coisas de todos os caracteres que são diversos daquele que elas tomam em consideração. O matemático despoja as coisas de todas as qualidades sensíveis (peso, leveza, dureza, etc.) para as reduzir à quantidade, isto é, ao número e às formas geométricas.
O físico abstrai de todas as qualidades que não sejam redutíveis ao movimento, porque ele pretende considerar somente o ser em movimento.
Com este escopo, o matemático e o físico estabelecem certos princípios gerais, ou axiomas, que têm em consideração exatamente a natureza específica do seu objeto e servem para definir esse objeto, distinguindo-o do das outras ciências.
Do mesmo modo deve proceder a filosofia, a que Aristóteles chamou filosofia primeira (em relação à física, filosofia segunda) e que depois de Aristóteles acabou por se chamar metafísica, em razão do lugar em que os livros de filosofia vieram a ser encontrados na coleção de Andronico de Rodes (depois da física). A filosofia primeira deve reduzir todos os vários significados da palavra ser a um significado único e fundamental, já que ela deve considerar o ser, não como quantidade, nem como movimento, ou sob outro qualquer aspeto, mas própria e unicamente enquanto ser.
Para fazer isto ela tem necessidade de um princípio ou axioma fundamental, que é o princípio de contradição. Aristóteles exprime este princípio de duas maneiras:
1) É impossível que uma mesma coisa convenha e ao mesmo tempo não convenha a uma mesma coisa propriamente enquanto é a mesma.
2) É impossível uma coisa ser e ao mesmo tempo não ser.
A primeira fórmula exprime a impossibilidade lógica de afirmar e negar ao mesmo tempo um mesmo predicado a respeito de um mesmo sujeito.
Por exemplo, não se pode simultaneamente afirmar: «O homem é um animal racional», e: «O homem não é um animal racional». Uma destas duas afirmações é necessariamente verdadeira; a outra é necessariamente falsa.
A segunda fórmula exprime a impossibilidade ontológica de um determinado ente ser e ao mesmo tempo não ser aquilo que é.
Por exemplo, se um homem é um animal racional, é necessário que a todo o homem esteja inerente a natureza de animal racional, de tal forma que, se um homem não fosse racional, de forma nenhuma seria homem.
A Lógica como Instrumento de Investigação
Que o princípio de contradição tenha urna formulação lógica e outra ontológica, isto é, que tenha em consideração os nossos raciocínios acerca das coisas consideradas em si mesmas, é muito esclarecedor para compreender de que modo Aristóteles entende a própria função da lógica, de que ele foi o primeiro teorizador (sob o nome de analítica, já que o nome de lógica foi pela primeira vez introduzido pelos estoicos).
Para Aristóteles todas as ciências (incluindo a filosofia primeira ou metafísica) têm de comum os processos racionais com que conduzem as suas demonstrações e garantem a validade das suas afirmações. Estes processos não são uma capa exterior posta sobre um corpo de doutrinas de origem diferente: eles, desde que sejam corretos, identificam-se com a própria realidade que é objeto de cada uma das ciências, e com isso revelam a organização efetiva, as articulações vitais.
A lógica é, portanto, um instrumento de investigação (Organon, ou instrumento será justamente chamado pelos estudiosos posteriores todo o conjunto das obras lógicas de Aristóteles) e que pode funcionar exatamente na medida em que a sua estrutura corresponda à da realidade.
Por isso é oportuno fazer uma referência preliminar, mesmo que isso nos constranja a antecipar alguns conceitos da metafísica.
O objeto da lógica são principalmente os juízos (e as proposições que os formulam): de facto, só os juízos podem ser verdadeiros ou falsos. Eles constam de um sujeito e de um predicado, os quais, tomados isoladamente, não são nem verdadeiros, nem falsos; verdadeira ou falsa é a sua união.
Esta união, isto é, o ato da predicação, pode acontecer de modos diversos: com ela pode ser indicada a substância de uma coisa, que coisa é aquela coisa (por exemplo, «Sócrates é homem», ou então «Este é Sócrates»), mas podem-se indicar outras determinações porventura contingentes ou acidentais do sujeito.
Essas outras determinações são, segundo Aristóteles, de nove tipos fundamentais, que indicaremos fornecendo exemplos (o sujeito subentendido é sempre Sócrates):
- quantidade («tem altura de seis côvados»),
- qualidade («é pálido»),
- relação («é mais alto que Símia»),
- lugar («está no liceu»),
- tempo («esteve aqui ontem»),
- situação («está sentado»),
- hábito («é sóbrio»),
- atividade («interroga»),
- passividade («é interrogado»).
Têm-se assim dez tipos de predicados possíveis ou categorias (= predicações), entre os quais a substância ocupa um lugar por si, como veremos melhor mais adiante.
Além disso, os juízos podem distinguir-se por afirmativos e negativos («Sócrates é homem», «Sócrates não é alado»), e também por universais, particulares e individuais («Todos os mamíferos são vivíparos», «Alguns mamíferos são quadrúpedes», «Este cão é cego»). Estas distinções permitem-nos individualizar os casos em que de dois juízos verdadeiros se pode deduzir com absoluta certeza, com base unicamente na verdade deles e sem ulterior recurso à experiência ou à intuição, um outro juízo verdadeiro e diferente de cada um dos dois primeiros.
É esta a famosa teoria do silogismo, em que Aristóteles distingue cuidadosamente os casos de dedução válida dos de dedução não válida: o objetivo era duplo – facilitar os estudos científicos, mas também, e sobretudo, preparar uma arma eficaz de defesa contra as falsas acrobacias lógicas da erística, degeneração da sofística.
Eis dois exemplos de silogismo, um válido, o outro não válido:
- Todos os homens são mortais; Sócrates é homem: Logo Sócrates é mortal.
- Todos os sábios são homens; Sócrates é homem: Logo Sócrates é Sábio.
E eis a regra bastante simples que Sócrates fornece para nos colocarmos em condições de reconhecer à primeira vista a invalidade do segundo silogismo: só podem ser tiradas legitimamente conclusões afirmativas e não particulares se o termo comum às duas premissas (termo médio) for distribuído, isto é, se aparecer uma vez como sujeito e outra vez como predicado.
Cadeias de silogismos válidos, formados sobre premissas necessárias, constituem a estrutura própria de cada ciência. Nasce então, por outro lado, o problema de como se chegam a estabelecer as primeiras premissas da cadeia, não se podendo, evidentemente, recuar até ao infinito.
A resposta de Aristóteles é dúplice:
1) As primeiras premissas são primeiros princípios de per si evidentes, diretamente intuídos pelo intelecto e tais que não necessitam de demonstração;
2) As primeiras premissas são arrancadas pela observação de todos os casos particulares, mediante um processo que vai do particular ao universal (antes que do universal ao particular, como na dedução) e que se chama indução. Por exemplo, pela observação de que o melhor piloto é aquele que é mais experiente, e assim igualmente o melhor cocheiro ou o melhor pedreiro, etc., conclui-se que, em geral, quem é mais experiente numa determinada coisa é o melhor nela. Mas a indução, para dar lugar a uma conclusão verdadeiramente certa, de maneira a poder constituir uma premissa universal e necessária para deduções demonstrativas, deveria ser completa, que o mesmo é que dizer que se deve basear nas observações de todos os casos possíveis. Por isso, Aristóteles considera de longe preferível, sempre que isso seja possível, o outro caminho, o que move primeiros princípios universais já de si evidentes.
Nesta sua preferência pesava, provavelmente, a influência de Platão e sobretudo o facto de também para ele o modelo mais perfeito da ciência ser o que nos é oferecido pelas matemáticas, nas quais, de poucos princípios generalíssimos, estabelecidos a priori com base na sua evidência intelectual antes de serem fundados na observação empírica, se deduzem todos os possíveis desenvolvimentos particulares.
E, de facto, o ideal de sistema científico que ele delineou de um modo articulado e preciso encontrou mais tarde uma realização quase perfeitamente fiel nos Elementos de Euclides, onde estão rigorosamente organizados todos os resultados da matemática antiga. Mas nas outras ciências, como veremos, o apriorismo de Aristóteles revelar-se-á a longo prazo, não só infecundo, mas prejudicial, o que, no entanto, não nos autoriza a subestimar o poderoso trabalho, quer de investigação, quer de sistematização, por ele desenvolvido nos campos mais diversos do saber.
Continuação da análise à obra de Aristóteles
A análise à obra de Aristóteles continua em artigos autónomos:
- A Metafísica e a Teologia segundo Aristóteles
- A física, a Biologia e a Psicologia na obra de Aristóteles
- A Ética Aristotélica, a Política e a Educação
Índice da História da Pedagogia
INTRODUÇÃO
CULTURA E EDUCAÇÃO NA ANTIGUIDADE
- A Educação no Oriente Antigo
- A Educação no Mundo Homérico
- A Educação do Cidadão Grego
- O aparecimento da reflexão filosófica
- Os Sofistas e Sócrates
- A Vida e Obra de Platão
- Aristóteles: Vida e Obra [este artigo]
Referências
- História da Pedagogia, N. Abbagnano e A. Visalberghi, 1957, Capítulo VII – Aristóteles