A Vida e Obra de Platão

A história da pedagogia não poderia ser escrita sem uma análise cuidada à vida e obra de Platão, um dos mais conceituados filósofos da antiga Grécia.

Neste artigo:

Vida de Platão

Platão nasceu em Atenas, de uma família aristocrática, no ano de 428 A.C. Segundo Aristóteles, ele foi durante a juventude discípulo de Crátilo, um sequaz de Heraclito. Aos 20 anos começou a frequentar as lições de Sócrates e ficou entre os seus discípulos até à morte do mestre.

A morte de Sócrates marcou para Platão uma orientação decisiva na sua vida. Segundo o que ele próprio diz na Carta VII (que é de fundamental importância para a sua biografia e para a interpretação da sua personalidade), Platão quisera dedicar-se à vida política. A morte de Sócrates, porém, feriu-o como uma injustiça imperdoável e uma condenação total de toda a política do tempo.

Tornou-se-lhe evidente que toda a vida coletiva deveria ser mudada radicalmente e que isto deveria ser um dever da filosofia.

Eu vi [diz] que o género humano nunca mais se libertaria do mal se primeiro não tomassem conta do Poder os verdadeiros filósofos, ou se os dirigentes do Estado não se tornassem, por vontade divina, filósofos verdadeiros.

Desde então, pareceu-lhe ser a filosofia a única via que poderia conduzir o homem e a comunidade à verdadeira justiça.

Depois da morte de Sócrates, Platão dirigiu-se para Mégara, onde se juntou a Euclides, depois foi para o Egipto e para Cirenaica. Não sabemos nada acerca destas viagens, de que ele não fala. Mas fala da sua viagem à Itália meridional, onde conhece a comunidade pitagórica, e da sua viagem a Siracusa, onde estreita a amizade com Díon, o tio Dionísio, o Moço, filho de Dionísio, o Velho, tirano de Siracusa.

A morte de Sócrates - Pintura de Jacques Louis David de 1787
“A Morte de Sócrates” de Jacques-Louis David (1787)

Diz-se que, exatamente por obra deste, o que se torna suspeito, pelos já ventilados projetos de reforma política, Platão foi vendido como escravo no mercado de Egina. Foi resgatado por Aníceris da Cirenaica; mas o dinheiro do resgate foi recusado quando se soube de quem se tratava e serviu para a fundação da Academia.

A escola de Platão, que assim se denominou por ter sido fundada no ginásio de que foi fundador inicial Academo, foi organizada segundo o modelo das comunidades pitagóricas, como uma associação religiosa, um tiaso.

Por morte de Dionísio, o Velho, Platão foi chamado a Siracusa por Díon, à corte do novo tirano, Dionísio, o Moço, para dar o seu parecer sobre a reforma do Estado que Díon almejava, em conformidade com o ideal platónico. Mas o choque entre Dionísio e Díon, que depois foi exilado, tornou estéreis todas as tentativas de Platão.

Alguns anos mais tarde, o próprio Dionísio chamou-o insistentemente para a sua corte, e Platão, levado pelo desejo de ajudar Díon, que ficara no exílio, para lá se dirigiu no ano de 361. Mas não foi possível estabelecer-se nenhum acordo entre ele e Dionísio, que não passava de um diletante presunçoso; e Platão, depois de ter ficado detido, quase como prisioneiro, durante bastante tempo, deixou Siracusa e voltou para Atenas. Ali se fixou para todo o resto da sua vida, dedicando-se unicamente ao ensino. Morreu aos 81 anos de idade, no ano de 347.

Dionísio, o Moço

Platão é o primeiro filósofo da Antiguidade que nos deixa todas as suas obras. Temos dele uma Apologia de Sócrates, 34 diálogos e 13 cartas.

Alguns diálogos transmitidos como seus são, porém, considerados adulterados, e acerca de outros existem dúvidas. As Cartas, que até há pouco tempo foram tidas por espúrias, são hoje aceitas por todos como autênticas. A Carta VII é considerada até como um documento fundamental para conhecer a vida e o pensamento do filósofo.

Para se determinar a sucessão cronológica destes documentos utilizam-se as referências contidas nos próprios diálogos; de facto, nalguns deles fazem-se referências a outros que evidentemente os precedem. Utiliza-se também o estilo, o qual conduziu a determinar com segurança o último grupo dos diálogos (Parménides, Teeteto, Sofista, Político, Timeu, Pilebo e Leis); e ainda a forma do diálogo, que é narrativa ou dramática.

Outras indicações fundamentais podem ser tiradas do próprio conteúdo dos diálogos. E assim se podem determinar três períodos na atividade de Platão.

1º Período: Apologia, Críton, Íon, Laquete, Lísis, Cármides, Eutífron, Eutidemo, Hípias Menor, Crátilo, Hípias Maior, Meneceu, Górgias, República I, Protágoras.

2º Período (documentos escritos na maturidade): Ménon, Fédon, Banquete, República II-X, Fedro.

3º Período (documentos escritos na velhice): Parménides, Teeteto, Sofista, Político, Filebo, Timeu, Crícias, Leis.

Pertencem ao último período também as Cartas VII e VIII, que revelam serem posteriores à morte de Díon e, portanto, escritas em 353.

1º Período: Defesa de Sócrates e Polémica Contra os Sofistas

Os dois primeiros períodos de atividade filosófica de Platão são dedicados à ilustração e à defesa do ensino de Sócrates e à polémica contra os sofistas. A Apologia e o Críton esclarecem a atitude de Sócrates perante a acusação que lhe foi feita, o processo e a condenação, e a sua recusa a subtrair-se à própria condenação, fugindo. Um numeroso grupo de diálogos ilustra os fundamentos do ensino socrático, que já expusemos, mas que esquematicamente se podem recapitular assim:

  1. A virtude é uma só e identifica-se com a ciência;
  2. Só como ciência a virtude é ensinável;
  3. Na virtude, como ciência, reside a única felicidade do homem.

Estas teses estão explicitamente apresentadas e defendidas nos diálogos amadurecidos e mais ricos desta fase do pensamento platónico: no Protágoras e no Górgias. Mas existe toda uma série de diálogos menores que preparam negativamente estas teses, desembaraçando o terreno das teses contrárias.

O método seguido por Platão nestes diálogos menores é o método dialético: admite-se, portanto, como hipótese, a tese oposta à de Sócrates e demonstra-se que ela não conduz a nada ou que conduz a consequências absurdas, ficando assim refutada.

A tese fundamental de Sócrates, de que a virtude é uma ciência, supõe, evidentemente, que a virtude seja uma só (a ciência); que não existem, portanto, tantas virtudes, diversas entre si, de modo que possa cada uma ser definida isoladamente.

Alguns diálogos fazem exatamente ver a impossibilidade de existência de virtudes diversas umas das outras, independentes, mostrando como não se consegue na realidade definir tais virtudes.

Se, por exemplo, a santidade, a coragem, a sabedoria, fossem virtudes diferentes entre si, e diferentes da ciência, deveria ser possível definir cada uma destas virtudes por si própria, sem relação com as outras.

O movimento Sofista
Os Sofistas

Mas três dos diálogos pertencentes ao grupo citado (Eutífron, Laquete e Cármides) demonstram como nem a santidade, nem a coragem, nem a sabedoria, são definíveis deste modo; e que, se nos obstinamos em considerar cada uma destas virtudes por si própria, isoladamente da ciência, nada se pode dizer da sua natureza. Portanto, tais diálogos sugerem que a virtude não é múltipla, mas una, e que se reduz à ciência.

Além disso, se a virtude é uma só, um só deve ser, portanto, o ideal ou, como melhor se diria, o valor que ela tende a realizar. Se, pelo contrário, as virtudes fossem várias, cada uma delas tenderia a realizar um ideal ou valor diferente; por exemplo, uma tenderia a realizar o bem, a outra o útil, a outra o santo, etc.

Um outro grupo de diálogos (Hípias Maior, Lísis) demonstra exatamente como o belo, o útil, o conveniente, etc., não podem ser definidos cada um por si próprio e, portanto, em última análise, não existem como valores independentes e diversos.

Sócrates sugere aqui que o único valor que compreende e assume em si todos os outros é o bem; único, como é única a virtude, ou seja, a atividade humana que o deve realizar. Também aqui a tese socrática é sugerida negativamente, e somente através da refutação da tese oposta.

Nos outros diálogos do mesmo período insiste-se na exigência de reconhecer a própria ignorância, como o primeiro passo para empreender a procura que deve conduzir à ciência. O Íon tende a demonstrar que os poetas, que tratam os argumentos mais diversos, não sabem verdadeiramente nada sobre as coisas de que falam e não passam de instrumentos passivos da inspiração divina. E o Hípias Menor demonstra negativamente a identidade entre virtude e ciência, mostrando que, se assim não fosse, o homem que pratica o mal querendo-o seria superior ao homem que pratica o mal sem querer.

O primeiro, de facto, querendo o mal, deve conhecê-lo, e, para o conhecer, deve saber distingui-lo do bem; deve, por isso, conhecer o bem, e isso estabelece a sua superioridade em relação com quem faz o mal sem querer, isto é, sem ser capaz de o distinguir do bem. Ora isto é absurdo: por isso, o diálogo tende a sugerir que um homem que conheça o bem e faz o mal não existe enão existirá nunca; o mal é sempre ignorância, como a virtude é ciência.

A ilustração e a defesa positiva das teses de Sócrates foram feitas por Platão nos dois diálogos maiores deste período, o Protágoras e o Górgias.

O Protágoras afirma, decisivamente, em polémica com os sofistas, a tese da unidade da virtude e da sua redução ao saber, que os diálogos precedentes sugeriam indiretamente.

A virtude de que Protágoras se jacta de ser mestre, simples conjunto de aptidões adquiridas acidentalmente por experiência, não é ensinável e, na verdade, não foi possível nunca transmiti-la de um homem para outro; é ensinável somente a virtude que é ciência e, como tal, pela sua natureza, universal e comum a todos. O Protágoras ataca pela base o ensino sofístico, demonstrando a sua impossibilidade.

Protágoras
Protágoras

O Górgias ilustra e defende uma outra tese socrática fundamental: que somente na virtude como ciência consiste a felicidade. Aos jovens sofistas da escola de Górgias, que colocavam a justiça no direito do mais forte, que segue ao acaso os seus próprios impulsos e não se importa com os outros, Platão demonstra que a injustiça é como uma doença para a alma humana: torna-a feia e insatisfeita, e, portanto, infeliz.

A justiça é a ordem e a medida que se deve impor aos impulsos e aos desejos humanos: e a ciência desta ordem ou desta medida é a virtude. Não pode existir uma «técnica da persuasão» tal como a definiram os sofistas, isto é, uma arte de persuadir independentemente do bem e do mal, da verdade ou da falsidade, de acordo com a tese sustentada. A verdadeira arte da persuasão, a verdadeira retórica, é só aquela que orienta o homem para a ciência do bem, e é nisto que consiste a virtude.

O Górgias é deste modo também uma crítica radical à criação sofística mais original, à retórica ou à arte da persuasão. Mas a crítica de Platão toma também outros aspetos da atividade dos sofistas: a erística e o verbalismo. A erística é a arte de refutar tudo o que o adversário diz, verdadeiro ou falso que seja.

Platão faz a caricatura desta arte no diálogo intitulado Eutidemo. O verbalismo é a tendência sofística para sustentar que a palavra exprime em todos os casos a natureza da realidade e, portanto, para reduzir o pensamento à linguagem.

Platão, embora sustentando que as palavras não são meros sinais convencionais das coisas, antes exprimem, até certo ponto, a natureza delas, não admite, todavia, que o pensamento se reduza à linguagem, mas reconhece ao pensamento a função de medida do valor das palavras e de guia na sua utilização (Crátilo).

2º Período: A Doutrina das Ideias

Nos diálogos do 1º período, Platão não fez mais que esclarecer e defender a atitude e as doutrinas de Sócrates. No 2º período, pode dizer-se que começa a sua especulação original. Platão procede então por si próprio, para lá das doutrinas que Sócrates tinha ensinado, mas, com tudo isso, ele não se afasta da doutrina de Sócrates.

O seu esforço constante permanece; o de procurar a base do ensinamento socrático e o significado da própria personalidade de Sócrates. Os problemas que ele então encara não tinham sido explicitamente tratados por Sócrates, todavia emergem do seu ensinamento e estavam de qualquer modo presentes nas atitudes que o próprio Sócrates assumiu durante a sua vida e perante a morte.

Um destes problemas é o de aprender. Sócrates tinha dito que a virtude se pode ensinar e aprender, mas não por simples transmissão verbal. Que significa então aprender? O Ménon responde a esta pergunta.

Alguns sofistas diziam que não se pode aprender, nem o que se sabe, nem aquilo que não se sabe: ninguém, de facto, procura saber o que já sabe e ninguém pode procurar saber se não sabe o que procura. Mas esta argumentação sofística leva a renunciar ao saber e a entregar-se à preguiça. A ela Platão contrapõe um mito que, pelo menos, diz ele, arranca os homens da preguiça e os incita à indagação: o mito da reminiscência (anamnese). A alma é imortal: antes de viver num homem, viveu em inúmeros outros corpos, e assim teve maneira de conhecer todas as coisas, seja no mundo dos vivos, seja no mundo dos mortos.

Quando um homem nasce, a sua alma esqueceu tudo o que tinha conhecido antes, nas vidas anteriores, mas pode recordá-lo. E, recordada uma coisa, pode, seguindo o vínculo que liga todas as coisas, recordar outras.

Neste sentido, o aprender será, portanto, recordar.

Uma prova desta tese apoia-se no facto de que até um ignorante, se for interrogado de uma certa maneira, pode responder com exatidão acerca de coisas de que nunca ouviu falar. Este mito supõe, evidentemente, a imortalidade da alma e a crença pitagórica na transmigração.

Mas tudo o que ele disse pode também ser expresso, segundo Platão, em termos puramente filosóficos, sem fazer referência a crenças e a pressupostos místicos. Pode então dizer-se que a alma está unida à natureza que ela deve conhecer e que toda a natureza é unida por si própria, ou seja constituída por elementos que estão sempre conexos na totalidade.

Pela sua unidade com a natureza, a alma pode conhecer a natureza; e pela unidade de todas as coisas que constituem a natureza pode, partindo delas, conhecer as outras.

Por outras palavras, o fundamento do aprender, dentro daquela procura que constitui a ciência, é a conexão essencial da natureza em si própria, e da natureza com a alma humana. Compreender esta conexão é o dever da ciência; enquanto, pelo contrário, se esta conexão não é compreendida e as coisas são consideradas cada uma por si própria, de forma a ter-se um conjunto de conhecimentos isoladamente exatos mas não conexos, tem-se a opinião verdadeira.

A verdadeira opinião é incomunicável, isto é, não se pode ensinar, nem aprender. Por isso, certos homens possuem bastante perspicácia e experiência para se dirigirem a si próprios e aos outros e não são, todavia, bons mestres da virtude, porque não têm ciência. Só a ciência é comunicável, isto é, só ela é suscetível de ser ensinada e aprendida.

Mas o problema fundamental que surgia do ensinamento de Sócrates era exatamente o da ciência: do valor da ciência. A ciência é, sem dúvida, o conhecimento do verdadeiro; mas em que consiste a sua verdade?

Para que objeto se dirige a pesquisa científica? Respondendo a esta pergunta, Platão exprime-se assim no Fédon:

Nada mais convém ao homem indagar, a seu respeito, como a respeito das outras coisas, senão o que é ótimo e perfeito. Isso o coloca necessariamente na posição de conhecer também o pior, visto que a ciência do melhor e a do pior é a mesma.

A ciência deve ser então dirigida à indagação, no homem, como nas outras coisas, de tudo o que é ótimo e perfeito: o seu objeto é, portanto, a perfeição, ou, como diríamos em linguagem moderna, o valor.

Mas tudo o que é perfeito, tudo o que vale, é também, segundo Platão, tudo o que é estável, duradouro, imutável: ao objeto da ciência enquanto valor pertencem os atributos de um ser concebido por Parménides.

E então a ciência é conhecimento estável, duradouro, perfeitamente válido, precisamente e apenas porque o seu objeto, a realidade que ela indaga, é estável e duradouro, perfeitamente imutável. Por outros termos, a verdade da ciência depende da natureza perfeita do seu objeto.

Este ponto de vista exclui que possam constituir objeto da ciência as coisas do mundo sensível. Estas coisas são multíplices e diversas, nascem, morrem e estão continuamente sujeitas a variações.

Por outro lado, embora possam possuir, em certo grau, um determinado valor e ser por isso mais ou menos belas, boas, úteis, etc., não têm nunca a perfeição e a imutabilidade do valor. Uma coisa bela, por exemplo, não será nunca a beleza perfeita; e, de resto, aquele grau de beleza que ela possa possuir está sempre ameaçado de destruição, devido à mudança que impende sobre todas as coisas sensíveis.

Isto significa que o objeto da ciência não pertence ao mundo sensível e não pode ser identificado com as coisas desse tal mundo. Ele é constituído pelo belo, pelo bem, pelo justo, pelo útil, etc., os quais são, por si próprios, e não como aparecem nas coisas sensíveis. Mas estes objetos são objetos reais, não são simples pensamentos da mente humana. Constituem a própria realidade no seu ser mais íntimo, na sua substância.

São as realidades últimas, não só do homem e da civilização humana, mas do mundo em que o homem vive e de todos os tipos e formas de ser. O belo, o bem, o útil, o justo, etc., que Sócrates se havia esforçado por encontrar na vida individual e coletiva dos homens e que permaneciam para Sócrates puros ideais ou regras de ação para o homem, constituem para Platão a realidade objetiva, substâncias que subsistem por direito próprio e sobre as quais se modela a realidade imperfeita e diminuída do mundo sensível. O ser é substancialmente valor, tal é a tese fundamental de Platão.

Os valores que constituem o ser (o belo, o justo, o verdadeiro, o bem, etc.) são chamados por Platão Ideias. Mas este termo não tem para Platão o mesmo significado subjetivo e mental que ele adquiriu para nós. Uma ideia é para nós um ato da nossa mente, um pensamento.

Para Platão é uma substância, uma realidade objetiva, uma perfeição que subsiste em si e por si, em seu pleno direito. A este género de realidade pertencem também, segundo Platão, as determinações matemáticas: os números, o mais, o menos, o igual, etc.; e até as determinações matemáticas são, segundo Platão, perfeições ou valores. De facto, elas são todas expressões ou manifestações da proporção, da ordem e da harmonia; e proporção, ordem e harmonia são outros nomes para dizer unidade, beleza e bem.

De resto, os raciocínios mais apertados e persuasivos a favor da doutrina das ideias, as mais hábeis contestações da opinião de que as ideias universais derivam da experiência sensível, Platão efetua-os referindo-se diretamente às ideias mais abstratas, de natureza lógico-matemática.

Por exemplo no Fédon (o diálogo que descreve as últimas horas e a morte de Sócrates, mas que, quanto a argumentações, lhe atribui como base a tese da imortalidade da alma, parece exorbitar o pensamento do mestre, pois que aparecem juntas as doutrinas das ideias e a doutrina da reminiscência), para Sócrates é fácil concluir, depois de um cerrado exame das experiências que nós temos de coisas semelhantes ou iguais, que tais experiências pressupõem e não geram a ideia de semelhança, assim como de absoluta igualdade:

E então é necessário que também nós, sem esperarmos pelo momento em que a visão de coisas iguais nos sugira o pensamento daquilo que é igual em si mesmo, para o qual elas tendem sem nunca o alcançarem, conheçamos já este igual em si mesmo.

Todavia, o conhecimento mais elevado é para Platão o conhecimento das ideias-valores de que se falou; a matemática e, em geral, o conhecimento que implica raciocínios «hipotéticos» e minuciosos, mesmo sendo ela uma ciência, está a um nível inferior.

Alegoria da Caverna ou Mito da Caverna (Brasil)
Alegoria da Caverna

Vem depois a crença e por fim a conjetura. Na famosa alegoria da caverna (no livro VII da República), Platão simboliza assim os quatro graus do conhecimento. Os homens estão como prisioneiros numa caverna, apertados com algemas e de modo a poderem ver somente a parede de fundo, da qual são projetadas as sombras de objetos que se fazem passar diante de um foco luminoso que se encontra junto da entrada.

Estas sombras simbolizam a experiência sensível e a simples conjetura que lhe está ligada e que, por vezes, nos permite adivinhar algumas sequências de imagens; todavia, se existir uma certa regularidade na sua apresentação, os homens podem atingir crenças mais fundamentadas.

Quem conseguisse libertar-se e ir ver o foco luminoso, os objetos reais e os homens que os trazem alcançaria a ciência, mas de uma maneira ainda limitada, no seu aspeto discursivo ou dianoético. A contemplação total, a intelecção sintética da realidade (conhecimento noético), tê-la-ia somente aquele que saísse para a luz do Sol e, com um exercício adequado e gradual, conseguisse contemplar o próprio Sol como a causa última e efetiva de tudo o que acontece no mundo. Os quatro graus são então a conjetura, a crença, o conhecimento dianoético e o conhecimento noético: note-se que entre os dois primeiros e os outros dois há aquele ato decisivo de libertação das algemas que permite o voltar-se bruscamente das sombras para a luz e que Platão chama «uma conversão com toda a alma» do mundo do devir à contemplação do real.

Nisto consiste um aprofundamento importante do intelectualismo socrático: o conhecimento do bem e a atuação do bem identificam-se idealmente, é verdade, mas para alcançar o conhecimento do bem é necessário um esforço decisivo e heroico, é necessário vencer a resistência e a preguiça dos sentidos. A alma humana não é feita somente de razão (alma racional), mas também de força passional (alma irascível) e de desejos sensíveis (alma concupiscível). Ela é representável, segundo a famosíssima alegoria do Fedro, como uma biga puxada por cavalos alados, em que um tende a subir e o outro a descer (simbolizando respetivamente a alma irascível e a concupiscível): a auriga (a alma racional) deve conseguir orientar ambos os cavalos em direção ao alto, em direção à contemplação das Ideias, que é o único alimento das asas dos cavalos.

O momento afetivo, as forças do sentimento, vêm assim revalidados por Platão, que distingue, porém, um aspeto positivo (alma irascível) de um outro prevalentemente negativo (alma concupiscível). Uma outra expressão de tal revalidação é o mito de Eros posto na boca de Sócrates no Banquete: Eros, o Amor, não é verdadeiramente um deus, porque a sua divindade, sendo perfeita, não poderia aspirar a nada de diferente daquilo que é ou que já possui; ele é um semideus, um demónio, filho da Abundância e da Pobreza: só quem tem e não tem, quem é ao mesmo tempo perfeito e imperfeito, no sentido de que até na sua limitação há qualquer ideia da perfeição, pode aspirar com todas as suas forças, pode esforçar-se por alcançar um bem que ainda não possui, mas que entrevê.

3º Período: A Doutrina do Ser e as Suas Dificuldades

Antes de passarmos a considerar as teorias políticas e educativas de Platão, que sobretudo nos interessam, completemos rapidamente o quadro do desenvolvimento das suas conceções teoréticas. Grande parte dos diálogos deste período debatem, de facto, as dificuldades, que não são pequenas, que o próprio Platão considera inerentes à sua doutrina, antecipando quase todas as objeções que lhe serão movidas mais tarde por Aristóteles e por outros pensadores (mas pode acontecer até que o tema lhe tivesse sido já então fornecido, de qualquer modo, pelo próprio Aristóteles, ativíssimo aluno da Academia).

Se as Ideias têm existência autónoma e constituem até o verdadeiro mundo do Ser, que relação apresentam elas com o mundo da nossa experiência?

Existe, é verdade, uma relação subjetiva, que se determina nas almas humanas que contemplaram as Ideias e se recordam delas na presença de experiências sensíveis correspondentes (reminiscências); mas para que isto aconteça deve existir também uma relação objetiva entre as ideias e as coisas particulares. Ora, se as Ideias constituíssem uma espécie de um Ser parmenidesiano, fechado e imóvel, e as coisas fossem só multiplicidade e fluxo contínuo, qualquer relação entre os dois mundos seria impossível. Por isso, no Parménides ele revaloriza as distinções no seio das Ideias, e no Sofista nega a imobilidade delas: o mundo das Ideias é um mundo espiritual e, por isso, dinâmico; elas são as causas finais do mundo sensível, isto é, perfeições a que o mundo sensível aspira participando nelas de modo incompleto.

No Timeu, para dar uma imagem intuitiva desta natureza finalista das Ideias e da dinâmica do processo de participação das coisas nelas, representa a criação, ou, melhor, a formação do mundo como efetuada por um Artesão divino (em grego Demiurgo) que modela a matéria contemplando as Ideias. As coisas, por isso, imitam as ideias, mas esta relação de imitação não pretende ser provavelmente para Platão qualquer coisa de diverso da participação, mas antes uma tradução sua em termos mais fáceis, mais intuitivos.

Pelo contrário, Platão tentou encontrar a verdadeira solução teórica da dificuldade pondo como mediador entre as Ideias e as coisas os entes matemáticos, que, por assim dizer, traduzem em termos quantitativos, e por isso materializáveis, a natureza qualitativa das Ideias. A própria matéria é concebida por Platão de um modo que pretenderia ser puramente geométrico: uma vez que a Academia já tinha levado a cabo a teoria dos sólidos regulares (isto é, suscetíveis de serem inscritos numa esfera e tendo as faces iguais: tetraedro, cubo, octaedro, icosaedro, dodecaedro), ele afirma que as qualidades próprias dos quatro elementos e do éter celeste podem relacionar-se com o facto de eles serem constituídos por parcelas mínimas daquelas formas respetivas.

O fogo queima enquanto é pungente

Por exemplo, o fogo queima enquanto é pungente, sendo formado por tetraedos, que são os sólidos regulares com vértices mais agudos. Ao formular esta teoria, não foram estranhas as ideias professadas na altura por Demócrito, que é exatamente contemporâneo de Platão, mas que este não nomeia nunca, provavelmente por aversão ao seu mecanicismo rígido. Platão, por seu lado, não pode aceitar senão algumas exigências da teoria atomista, inserindo-a na visão finalista simbolizada pelo Demiurgo.

O Ideal Político-educativo da República

A exigência educativa tinha sido, desde o início, o verdadeiro motor da especulação platónica, também neste ponto uma continuação ideal da socrática. Que é a doutrina das Ideias senão uma espécie de ancoradouro firme favorecido à conceção socrática de que a virtude é ciência?

As ideias são o verdadeiro objeto da ciência, e garantem a possibilidade de uma comunicação, de um acordo universal entre os homens, apesar da variedade dos apetites e da insuficiência da experiência sensível. Mas, dir-se-á, as ideias, tal como Platão as concebe, não são decerto atingíveis pelos outros, a não ser por uma minoria de filósofos! Sem dúvida, mas isto, para Platão, não é uma dificuldade, e talvez o não tenha sido sequer para Sócrates, que insistia tanto sobre a necessidade de uma competência específica para todos e sobretudo para os governantes.

Platão não tem nenhuma confiança na democracia, não só e não tanto porque nasceu rico e aristocrata como porque na democracia viu e vê as manifestações mais agitadas, e à democracia atribui o horrível delito de ter feito morrer exatamente o homem mais justo entre todos, aquele que sinceramente se esforçava por torná-la melhor: o seu mestre, Sócrates. Que o Estado seja dirigido por poucos parece a Platão a coisa melhor. Por isso propende para um regime aristocrático ou talvez monárquico, e a sua admiração vai em geral bastante mais para a constituição espartana do que para a ateniense. Mas aqueles poucos devem estar preparados para o seu ofício, devem saber qual é o bem da cidade e, portanto, todos os cidadãos; devem, por conseguinte, ser filósofos.

Platão não volta, pois, sic et simpliciter à tradicional conceção da aristocracia do sangue, naturalmente chamada a governar por decreto divino (enquanto se proclama descendente dos deuses). A sua é uma aristocracia do saber, que ele tenta definir quanto aos modos de seleção e de educação, com uma falta total de preconceitos, quase ferozmente racionalista, capaz de deixar ainda hoje surpreendido, irritado e ao mesmo tempo admirado, todo o leitor atento da República, diálogo em que Platão, aprofundando o conceito de justiça esboçado no primeiro livro, se encontra a traçar um quadro muito pormenorizado e completo do seu estado ideal.

De resto, o próprio Platão dera outros indícios, que não é oportuno salientar aqui, de querer fazer compreender ao leitor que ele está antes de mais nada interessado numa aventura intelectual fascinante, mais do que na elaboração de um programa político diretamente realizável (e de facto, mais tarde, nas Leis, acrescentar-lhe-á todas as atenuações mais necessárias).

Platão parte do pressuposto de que entre os homens existem diferenças naturais, em parte transmissíveis por hereditariedade, consistentes essencialmente na predominância em cada indivíduo de uma das três partes da alma de que se falou (racional, irascível e concupiscente, de tal modo que existirão, correspondentemente, uma raça de ouro, uma raça de prata e uma raça de ferro e de bronze).

Os bons regedores do Estado serão somente aqueles em que, por terem sido convenientemente educados, predomine a racionalidade, à qual corresponderá a virtude da sabedoria ou da prudência,’ os bons guerreiros serão aqueles em que predomine a paixão magnânima (irascibilidade), cuja virtude própria será a coragem ou a força, ao passo que aqueles em que predomine a concupiscência deverão esforçar-se por dominá-la com a virtude da temperança, mas de qualquer modo não serão nunca adaptados a outras tarefas que não sejam as relativas à produção e à troca dos bens materiais (isto é, serão camponeses, artesãos, comerciantes).

A quarta e a maior virtude, comum a todos no ponto em que tende a manter cada um no seu lugar próprio, possibilitando que se torne harmónica a vida complexa do Estado, é a justiça (analogamente, no indivíduo isolado, as mesmas virtudes aplicam-se a cada uma das partes da alma e à sua harmonia total).

Por isso no estado platónico existirão três classes: filósofos ou regedores, guerreiros e trabalhadores. Mas só entre as duas primeiras e a terceira existe verdadeira e profunda separação: de facto, a terceira, dos trabalhadores, não tem nenhum direito, nenhuma ingerência na coisa pública, e só excecionalmente, caso nasça um indivíduo altamente dotado, acontecerá que este seja absorvido pelas classes superiores, das quais, pelo contrário, será expulso e mandado para a classe inferior aquele que degenere gravemente.

Trata-se de disposições excecionais, que servem só para tornar mais eficaz a separação. De resto, para evitar a degeneração nas classes superiores, Platão prevê uma rígida aplicação dos critérios da eugenia. Filósofos e guerreiros constituem, com efeito, mais do que duas classes, duas especificações funcionais da mesma classe, porque só a atitude demonstrada nos estudos determinará o destino a dar aos jovens segundo uma ou outra função.

Falaremos, por isso, genericamente da classe superior, a qual detém todos os poderes e cujos membros naturalmente identificam os próprios interesses com os do Estado, dado que não têm nem propriedade privada (comunismo platónico), nem família. Os matrimónios existem, é verdade, mas são aparentemente decididos por sorteio e de facto estabelecidos, porém, pelos regedores com o critério de acasalar entre si os elementos melhores e os piores.

Os recém-nascidos serão tirados aos pais e educados pelo Estado, e o pai e a mãe ignorarão quais são verdadeiramente os seus próprios filhos e chamarão filhos a todas as crianças de uma certa idade. Efetivamente, porém, o Estado deve educar e criar somente os filhos dos melhores, e deve eliminar ou mandar para as classes inferiores os outros: assim, com o critério que o próprio Platão aproxima do usado para selecionar cavalos e cães, a superioridade de aptidões da classe superior seria perpetuada e melhorada.

Mas com isso tudo, ficamos apenas um material humano selecionado para aquela complexa e laboriosa obra educativa que só poderá dar verdadeiramente ao Estado bons regedores e bons guerreiros.

O Decorrer dos Estudos

Até aos 20 anos, a educação que prepara para as duas funções (a de regedor e a de guerreiro) é a mesma: Platão prevê primeiramente uma espécie de jardim de infância (coisa que realmente a Antiguidade nunca conheceu, nem antes nem depois de Platão), onde haverá abundância de jogos e cânticos e de narrações maravilhosas propositadamente escolhidas.

Depois, uma introdução progressiva na música com recitações de poetas, em cujas obras seriam, porém, censurados os passos não educativos (sobretudo para evitar que as crianças formem conceitos errados das divindades) e na ginástica; e, por fim, dos 16 aos 20 anos, far-se-á uma espécie de iniciação ativa dos jovens para a vida militar: de facto, eles seguirão os seus progenitores ao campo de batalha, quando isso não seja demasiado perigoso.

Dos 20 aos 30 anos, os mais idóneos estudarão certas matérias propedêuticas, que são nada mais que a matemática pitagórica com o desdobramento da geometria em plana e sólida. Só aqueles que tenham confirmado plenamente as próprias capacidades no estudo prosseguirão depois dos 30 anos até aos 35, exercitando-se na dialética, ao passo que os menos idóneos serão destinados à função de guerreiro.

Os aspirantes a filósofos, pelo contrário, depois dos 35 anos deverão cumprir uma espécie de longo estágio prático como funcionários ao serviço do Estado. Só aos 50 anos serão deixados livres, por algum tempo, para se dedicarem aos seus deveres de filósofos-regedores. As mulheres terão mais ou menos a mesma educação, mas não parece que tenha sido prevista a possibilidade de chegarem a «filósofas».

Estátua dePlatão
Estátua de Platão

Para além da fácil ironia a que pode induzir semelhante programa educativo, é importante notar que ele, em formas por vezes esquemáticas e acanhadas, tenta responder a exigências muito sérias: uma longa e prolongada seleção através de uma sondagem de capacidade e da educação dos interesses desenvolvidos, conceito formativo da cultura como treino da inteligência e formação ou integração da personalidade, reconhecimento de uma maior dignidade da mulher, que no estado ático e iónico era praticamente limitada ao «gineceu» e muito pouco considerada.

Mas sobretudo deve-se salientar como Platão não cessou nunca de insistir em que se entregassem ao estudo com dedicação espontânea e vivo interesse, e nunca por obrigação, porque agir sob coação não é digno de um homem livre e, portanto, nem de uma criança que se destina a tornar-se um homem livre. A educação prevista até aos 20 anos é tal que qualquer rapaz normal pode aproveitá-la com pleno interesse e empenho. A educação subsequente, bem mais árida e abstrata, deve ser reservada àquela minoria que, tendo um mais vivo interesse intelectual, saiba, por isso, dar-lhe apreço.

A arte (sobretudo a música e a poesia) tem uma grande importância na educação até aos 20 anos, e também mais tarde, já que a pólis platónica, como toda a pólis grega, cuida de toda a espécie de manifestações artísticas, sobretudo ligadas a acontecimentos e cerimónias religiosas.

A este propósito fazemos notar, porém, que Platão não só tinha querido instituir uma espécie de censura sobre a poesia, mas tinha em geral, ele que era um grande artista (os seus diálogos situam-se entre as mais belas obras-primas literárias produzidas pela humanidade), um comportamento de suspeita em face da excitação sentimental que a arte, sobretudo a dramática, produziria. Ele chega a dar uma motivação racional a esta prevenção, prospetando a teoria de que a arte, sendo imitação da natureza, que, por sua vez, é a imitação das ideias, é destituída de todo o valor genuíno de verdade, porquanto se trata precisamente de cópia de uma cópia.

As Leis: Atenuações e Ajustamentos

As Leis, o último diálogo platónico, assinalam, como dissemos, uma atenuação de todas as teses políticas mais audaciosas já formuladas na República. Já se readmite a propriedade privada, as classes são quatro e baseadas no censo, com renúncia ao controle eugénico, a família é reconhecida como a célula fundamental da sociedade. Preocupa-se, porém, por que a propriedade privada não seja demasiado pequena ou excessiva, e que o complexo da população não aumente nem diminua demasiado, e isto crê ele poder obter-se com adequadas disposições legais.

O próprio princípio aristocrático é posto em dúvida, e tende-se para uma moderação entre ele e o democrático; tem-se uma fraca confiança na sabedoria dos governantes individuais, enquanto é acentuada a exigência do «estado de direito» onde cada coisa se efetua por lei.

Parece que em tudo isso se deve reconhecer um sinal da experiência negativa feita na Sicília durante as últimas duas viagens. Platão, para dizer a verdade, insiste em declarar mais vezes que não renuncia aos seus princípios idealísticos, mas somente sugere um programa mínimo pelas dificuldades de pôr em prática o máximo: é difícil estabelecer quanto isso corresponderia verdadeiramente ao seu sentir e quanto, pelo contrário, representaria um modo de se acautelar contra prováveis acusações de incoerência.

Pelo que diz respeito ao lado educativo, à parte as óbvias modificações que derivam das mudanças do quadro geral, é digno de relevo que o apreço pelas atividades espontâneas e recreativas é ainda mais acentuado nas Leis que na República: ao jogo chega até a ser atribuído um valor religioso e místico, o que parece quase um preludiar, em certos aspetos, o pensamento de Froebel (o fundador dos atuais jardins de infância) e que verdadeiramente é de salientar, pela sua singularidade, num mundo, como aquele, clássico, em que à vida infantil é conferida geralmente uma escassíssima atenção, porque na criança não se vê mais do que um homem imperfeito.

Não se pode fazer uma avaliação em conjunto da contribuição platónica para o progresso da teoria e da gramática educativa sem tomar em consideração todos os desenvolvimentos ulteriores, até aos nossos dias, tão vasto e profundo foi o seu influxo. Aqui limitar-nos-emos a observar como o vigor da sua teoria, a coragem com que desenvolve as consequências, até as mais radicais, dos seus juízos, são sempre acompanhadas de um sentido da medida justa e de uma espécie de indiferença superior, própria do grande artista que é, pelo que, ainda que se discorde das suas afirmações, se fica como que sacudido e galvanizado pelo seu discurso, ao mesmo tempo apaixonado e lúcido, e se aprende a considerar cada problema do modo mais amplo e interessado, vendo nele conexões antes desapercebidas, implicações ainda não consideradas, aspetos imprevistos. Neste sentido, Platão foi certamente um dos maiores educadores que a humanidade conheceu.

Mas quanto a uma influência específica sobre a organização dos estudos no seu tempo e ainda nas épocas que se seguiram, deve atentar-se em que a importância de Platão foi bastante menor do que a do seu contemporâneo (e concorrente) Sócrates.

O seu ideal de uma formação eminentemente científico-filosófica é nitidamente suplantado pelo ideal de uma formação literário-retórica do seu rival; na Antiguidade, na Idade Média, até ao Renascimento e mais para diante, as mathemata continuarão a ser as gatas borralheiras entre as artes liberais.

Índice da História da Pedagogia

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INTRODUÇÃO

CULTURA E EDUCAÇÃO NA ANTIGUIDADE

Referências

  • História da Pedagogia, N. Abbagnano e A. Visalberghi, 1957, Capítulo VI – Platão